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Risotto de Lingueirão e Pimentos

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        Se bem que o lingueirão seja marisco que há o ano inteiro*, dependendo principalmente das marés a sua apanha, é durante o Inverno que se acede com mais facilidade ao lingueirão gastronomicamente mais interessante, quando deixam de aparecer à venda os grandes exemplares do fundo (Ensis síliqua), apanhados pelo arrasto, cedendo a vez aos outros lingueirões (Pharus legumen), pequenitos e de aspecto mais sujo, apanhados de dentro da areia lodosa por mariscadores a pé armados de um cesto e de um pacote de sal, nas planuras das nossas rias e estuários.
É este o lingueirão que nos interessa.
Tenro, de tamanho que dispensa cortes no prato e senhor de um sabor poderoso, dá um pouco mais de trabalho a arranjar, depois largamente compensado no palato, num arroz, numa açorda, numa massada, numa sopa, à bulhão pato ou mesmo aberto ao natural numa chapa quente, maneira que muitos preferem a todas as outras por pensarem ser a melhor e com alguma razão, já que raramente se apanha quem saiba cozinhar o lingueirão, marisco que, se cozer, fica com menos graça que uma ostra “bem passada”, ou seja, uma borrachinha custosa de trincar e engolir. Cozinhar bivalves é ciência dominada por poucos e o lingueirão será talvez o mais incompreendido de todos eles, logo o mais mal tratado. É que, cozinhar é algo que está muito para além de saber cumprir receitas; antes de tudo o resto, cozinhar é compreender os alimentos.

Ingredientes:

Lingueirão pequeno (Pharus legumen)
Cebola
Alho
Pimento vermelho
Pimenta preta
Louro
Açafrão (estames)
Azeite
Arroz de bago curto
Vinho branco seco
Coentros

Preparação:

Por muito que o vendedor lhe jure e algum selo ateste, este lingueirão pequeno nunca está realmente depurado e essa é uma operação essencial que terá de fazer à chegada a casa. Consiste em imergir os lingueirões numa imitação de água do mar que se obtém dissolvendo 40g de sal marinho (de preferência integral) em cada litro de água (se tiver acesso a água não tratada, melhor) e deixá-los nesse banho por cerca de doze horas,
durante as quais eles vão expelindo toda a areia lodosa que contêm e ficam finalmente prontos para serem cozinhados.
Cozinhar um lingueirão é exactamente, como com qualquer bivalve, não o cozinhar! Assim que qualquer bivalve se solta da casca por acção do calor, muito antes de ferver, está pronto para ser comido, deve ser retirado da fonte de calor e tudo o resto se vai desenrolar em paralelo mas sem o incluir, aproveitando o líquido que largou quando morreu, cozinhando-se temperos e acompanhamento envolvente mas o bivalve em si, só volta ao convívio do arroz, da massa, do pão, da sopa, só no fim e fora do lume. É esta regra que permite desfrutar de todo o seu poderoso sabor a mar, sem que se torne coreáceo, seco e desagradável. É também por isso que, por melhores que sejam, quaisquer bivalves congelados são sempre uma enorme decepção gastronómica e valem bem mais uns humildes berbigões frescos que vieiras congeladas.
Dito o essencial (que se aplica a qualquer preparação) vamos então ao risotto que acompanhou estes lingueirões.
Após a depuração dos lingueirões, abra-os numa frigideira, sem os sobrepor, apenas uma fiada de cada vez, para que possa controlar o que se vai passando.

Mal existam lingueirões abertos,
retire-os da frigideira e com o auxílio de uma colher de chá, remova-os da casca e reserve-os, bem como o líquido que libertaram.

Num fundo de azeite, refogue levemente o alho, a cebola e pimento vermelho, todos picados finamente e temperados de pimenta e louro.
Introduza o arroz e vá envolvendo até que os bagos se apresentem translúcidos.

Junte então meio copo de vinho e os estames de açafrão, deixe evaporar em lume forte e vá então juntando o caldo que obteve dos lingueirões, sempre aos poucos e mexendo continuamente para que o arroz solte todo o seu amido. Quando não tiver mais caldo continue com água, durante o tempo que o arroz levar a estar cozido ou a seu gosto,
o que pode acontecer em 11-12m se estiver a usar Carolino, 16-20m se estiver a usar um arroz italiano para risotto, ou, no meu caso, 18m pois estava a usar um arroz espanhol muito usado nas paellas, o “Redondo”.

Quando o arroz estiver cozido e o molho bem cremoso e abundante, rectifique o sal,  retire do lume, junte os coentros picados e os lingueirões, envolva e sirva.


Nota: * Segundo a portaria n.º170-A/2014, o stock de longueirão, lingueirão ou navalha na zona Sul foi considerado pelo IPMA  como sobre explorado, o que recomenda uma interdição da apanha desta espécie até que uma nova avaliação indique a recuperação dos bancos desta espécie. Assim, até ao final de Dezembro de 2015 é proibida a captura, manutenção a bordo e descarga de longueirão, lingueirão ou navalha (Ensis siliqua e Pharus legumen). Resta-nos assim algum lingueirão da apanha artesanal e o lingueirão que nos chega de Espanha, ode este pequenote tem fraca cotação e nos aparece nos mercados e um preço excelente.




Caras de Bacalhau no Forno ao Pilpil

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             Embora cozinhar seja sempre uma fonte inesgotável de prazer, nada chega ao deslumbramento dos momentos de criação absoluta.
Cozinhar, a não ser que estejamos a falar de repetidores de receitas imutáveis (mas isso é outra coisa, que até um robot faz!), comporta sempre algo de experimental, de criativo, de único e irrepetível, até porque não há matérias-primas iguais, dias iguais  ou estados de espírito iguais. Essa é a criatividade de todos os dias, o que faz com que um prato, mesmo se tradicional, seja diferente se feito por mim ou por outro qualquer cozinheiro e que diferentes cozinhas, mesmo apresentando os mesmos pratos, tenham cada uma a sua marca distintiva e única.
Os momentos de criação absoluta são outra coisa: deles nascem pratos que mais ninguém comeu, que ocorreram na nossa cabeça, que passámos à obra e que, para o melhor e para o pior, seremos os primeiros a provar e seremos nós a nomear, como compete aos criadores.
Criar um prato não é coisa que se faça de encomenda, antes surge despoletada por um qualquer gatilho, às vezes insuspeitado. Estas “Caras de Bacalhau no Forno ao Pilpil” despontaram a partir de um comentário de uma amiga gastrónoma sobre uma cabeça de garoupa no forno, num restaurante algures em Cascais, estaladas em azeite e alho antes de forneadas. A conversa nem era comigo mas serviu de semente: E se em vez de cabeça de garoupa fosse cabeça (caras) de bacalhau? E se em vez de estaladas no azeite, fossem antes nele confitadas? E se usasse as gelatinas que o bacalhau sempre deixa ao confitar para fazer esse grande molho da cozinha basca, o Pilpil? E se…
Assim nasceu e assim se fez:

Ingredientes:

Caras de bacalhau demolhadas
Azeite virgem
Alhos e louro
Pimenta preta
Acompanhamento a gosto

Preparação:

Use um azeite muito suave e frutado e aqueça nele dentes de alho e algum louro, lentamente e nunca os deixando fritar, apenas borbulhar ligeiramente.

Passe as caras de bacalhau neste azeite, virando-as se não estiverem imersas,
tendo o cuidado de nunca permitir que a temperatura do azeite ultrapasse os 80ºC, confitando assim o bacalhau ao invés de fritá-lo.
Após cerca de dez minutos, retire as caras, salpique pimenta
e leve-as a forno bem quente, acompanhadas de batatas novas semi-cozidas, até que caras e batatas se apresentem dourados.
Entretanto, repare que no fundo do recipiente onde confitou o bacalhau, sob o azeite, está uma quantidade apreciável de um líquido leitoso.
Este líquido contém uma grande quantidade de gelatina e outras proteínas oriundas do bacalhau e é nele que vai emulsionar o azeite de modo a formar uma espécie de maionese em que o papel da gema de ovo é desempenhado pela gelatina fortemente aromática do bacalhau, que é o famoso molho basco, o Pilpil.
Deixe amornar, retire a maior parte do azeite e comece a agitar o líquido do fundo com um emulsionador
ou com varas até que a emulsão se comece a formar, acrescentando depois pouco a pouco o restante azeite, como para fazer uma maionese.
Sirva este Pilpil sobre as caras de bacalhau assadas e acompanhamentos.

  


Frango recheado e confitado na sua pele

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               A grande diferença entre os modos de abordar a confecção de uma peça de carne, prende-se com a temperatura a que a submetemos e, logo, com as temperaturas que as partes interiores dessa peça atingem. Poderemos dizer que, grosso modo, se pode cozinhar carne a alta ou a baixa temperaturas.
A esmagadora maioria dos pratos de carne são cozinhados a alta temperatura, quer isto dizer que, seja no tacho ou no forno, com ou sem selagem prévia, a carne é sujeita a temperaturas entre os 100ºC e os 200ºC por períodos mais ou menos prolongados ao fim dos quais está guisada, estufada ou assada. Ficaremos por aqui quanto a esta opção, por demais conhecida, e vamos debruçar-nos sobre o outro método, muitíssimo menos utilizado apesar de ir ganhando paulatinamente adeptos, a cozinha lenta de baixa temperatura, com a qual nunca se farão pratos em trinta ou quinze minutos, mas também isso não interessa nada, que cozinha “rápida” é para quem gosta tanto de cozinhar que apenas se quer despachar da tarefa. Outros mais sábios do que eu têm dedicado a essa cozinha sem o ingrediente tempo, compêndios e programas de televisão; aproveite quem quiser.
O termo confitar (do francês confit) usou-se inicialmente para designar uma carne que era cozinhada a baixa temperatura imersa na sua própria gordura, como o célebre confit de canarde os rojões em banha do Alentejo, ou em gordura alheia como no caso do bacalhau confitado em azeite. Hoje,  indo mais ao que é essencial no processo, chama-se genericamente um confitado a uma carne (ou peixe) que é cozinhada protegida do contacto com o ar, a uma temperatura superior àquela em que se dá a hidrólise (cozedura) das suas proteínas mas sempre inferior à temperatura de ebulição da água (100ºC) de modo a impedir que os sucos e humidades internas da peça passem ao estado de vapor e saiam da peça, secando-a. São por isso confitados, para além dos tradicionais, isolados por uma gordura líquida que os cobre, as peças cozinhadas a temperaturas inferiores a 100ºC embrulhadas em alumínio (papelotes), em sacos plásticos fechados, a vácuo ou não, dentro de recipientes fechados ou ainda esta verdadeira maravilha que hoje aqui trago, ao alcance de qualquer cozinheiro mesmo inexperiente, em que o isolamento da carne se faz utilizando a mais extraordinária das películas: a própria pele!

Ingredientes:

1 Frango do campo (ou de aviário, mas grande)
 Água, sal, laranja e limão
Manteiga, banha, azeite, paprika fumada, alho, raspa de limão, sal e pimenta
Recheio: 300g de fígado de frango; a moela e coração; 300g de cenoura, 300g de cogumelos;  300g de cebola; alhos, salsa, sal, pimenta, noz moscada, azeite e pão ralado q.b.

Preparação:

Deixe o frango imerso por vinte e quatro horas numa marinada cítrica feita com água, sal, sumo e cascas de laranjas e limões de modo a que perca a maior parte do sangue que contenha.
Enquanto decorre a marinada, refogue os ingredientes do recheio (ou outros a seu gosto) excepto o pão ralado. Quando a cenoura estiver cozida, passe tudo pela máquina, volte ao lume para ligar e adicione o pão ralado suficiente para secar líquidos que os vegetais sempre deixam e dar a consistência apropriada ao recheio.
Retire o frango da marinada, seque-o bem por dentro e por fora e passe ao aspecto fulcral deste processo: com a ajuda de uma agulha curva e linha de algodão,
suture toda e qualquer abertura que exista na pele, rasgões etc. deixando apenas a abertura ventral, através da qual se introduz o recheio, que deve preencher a cavidade interna por completo.
Isto não é negociável: a cavidade comporta-se durante a assadura como se fosse o exterior e a humidade da carne irá escapar-se se encontrar por onde, pelo que aqui, mesmo que não goste por aí além de recheio, há que deixar a cavidade totalmente preenchida. Depois é trabalho de “corte e costura”, unindo a pele e cosendo até que não reste qualquer sítio que não esteja coberto por pele,
usando se necessário pele suplementar que guardou de outro frango ou que lhe arranjaram no seu talho.
Devidamente isolado na sua pele e amarrado,
é altura de pincelá-lo com um creme gordo feito com os ingredientes indicados
e levá-lo ao forno.
Regule a temperatura do forno para os 100-110ºC ( o que na prática dará cerca de 85-90ºC reais) e deixe o frango por um mínimo de três horas, pincelando-o de tempos a tempos para a pele não ficar ressequida.
A partir da terceira hora, deve verificar a temperatura interna, com o auxílio de um termómetro de carne, espetando-o sempre no mesmo orifício até ao meio do recheio. Entre a quarta e a quinta horas, dependendo de muitos factores imprevisíveis como a temperatura real do forno, o centro do recheio atingirá os 80ºC e o assado está pronto. Retire o frango do forno, leve a temperatura a 220ºC e meta-o lá de novo por cinco minutos para corar a pele.
Trinche o peito como se fosse um perú e aprecie a suculência da carne que normalmente ninguém aprecia por causa da sua secura e que assim é soberba.
Sirva com acompanhamento a gosto.


A Massa e o Mito

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               Se é verdade que o mito, com tudo aquilo que em si transporta de grandeza, sonho e magia, é responsável pelas mais belas páginas, histórias e crenças que nos construíram os ser e a alma colectiva, já os enganos, ignorância, pequenas mentirolas que se repetem e caucionam com outras mentiras até que, à força de tanta repetição e nenhuma experimentação passam a ser encaradas como verdades indiscutíveis, são totalmente execráveis e destes mitos andam cheias as nossas culinária e gastronomia, sendo agora já não passados no diz-que-disse de vizinhas, mas antes espalhados aos quatro ventos e caucionadas por tantos dos que a reboque desta súbita grandeza que a comunicação social emprestou aos cozinheiros, vão, na ânsia de parecerem doutos, espertos e interessantes, apimentando pratos e receitas com estas asneiras que nunca ousaram verificar na prática e a que não resistem a embelezar com alguma novel “explicação” mais ou menos imaginativa.
Já uma vez aqui deixei uma feijoada a que chamei de “7 Mitos” e que tinha a particularidade, para além de ser bem boa, de utilizar propositadamente na sua confecção sete destes mitos que nos assombram. Hoje, vou voltar à questão do modo de cozedura das massas alimentícias.
Alguém viu um dia alguma mamma italiana a cozer esparguete numa grande panela de água fervente. Com a habitual propensão dos ignorantes para se aterem aos pormenores e ignorarem o essencial, o que restou da observação foi que as massas se deviam cozer numa grande quantidade de água fervente temperada com sal; a título de justificação, inventaram que tal era essencial para que os fios de esparguete se não colassem uns aos outros na cozedura, para compor o ramalhete informativo, juntaram um fio de azeite à água e num último assomo de rigor que a quantidade certa seriam um litro de água fervente para cada cem gramas de massa. Nem mais, nem menos!
Eu nunca usei esta barbaridade de água para cozer massas e na verdade esta nunca se “colou”, como deixei aquidito, mas só há poucos dias é que, pela mão de J. Kenji López-Alté que percebi que, para além disso, a água onde a massa se coze nem precisa estar quente!
Experiência feita e comprovada:

Ingredientes:

Esparguete seco
Água
Sal
Manteiga

Preparação:

Coloque o esparguete no fundo de uma frigideira ou caçarola onde caiba sem partir e cubra-o de água fria. Junte sal.

Leve ao lume e verifique que, ao contrário do mito, a massa está totalmente solta, apesar de encostada em feixe. Quando começar a ferver, mexa e deixe ferver com o lume baixo,
juntando mais água se necessário.
Quando estiver ao seu gosto, isto é, “al seu dente”, escorra num passador e derreta sobre a massa uma noz de manteiga. Sirva.

 Nota: o pouco líquido que escorre da massa pode ser aproveitado para enriquecer sopas ou aveludar um molho, dada a quantidade de amido que contém.

Carapaus Alimados

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   Dos pequenos “jaquinzinhos” aos grandes chicharros de quilo, o humilde carapau é dos meus peixes preferidos e não me ocorre algum modo de cozinhá-los que os prejudique ou lhes tire a nobreza.     
Se no entanto tivesse de eleger algum modo de preparação, essa escolha decerto acabaria por cair num daqueles pratos em que o carapau é semi-desidratado pelo sal, enrijando-lhe as carnes suaves e dando-lhes uma textura de tunídeo que a torna maravilhosa. Estou a pensar num ceviche de carapau que já aqui deixei e, claro, nessa obra-prima algarvia que dá pelo nome de carapaus alimados ou charrinhos alimados, prato para o qual é essencial o tempo, esse querido ingrediente hoje tão esquecido na voragem das receitas “despachadas”. Carapaus alimados é prato que não se compadece com essas funestas correrias culinárias: quem o quiser comer em toda a sua glória, conte, não com uma, duas ou mesmo três horas, mas sim com três dias, nem mais nem menos. Mãos à obra!

Ingredientes:

Carapaus
Sal grosso
Pimenta preta
Azeite
Alhos
Cebola (facultativo)
Acompanhamento (pão, batata cozida…)

Preparação:

Podem-se alimar carapaus de qualquer tamanho, embora normalmente não se usem os exemplares muito grandes. A minha preferência vai para aqueles carapaus médios que têm o porte de uma sardinha das maiores e a vantagem de serem vendidos  a um preço quase simbólico, já que não há para eles muita procura, “são pequenos para grelhar mas grandes para fritar”.

Corte-lhes a cabeça, retire as vísceras e lave bem. Salgue com abundante sal grosso, dos dois lados e deixe no frio por 48 horas tendo o cuidado de colocá-los num recipiente que permita que a água que vai escorrer se possa escoar.

Passados os dois dias os carapaus estão visivelmente emagrecidos devido à desidratação que o sal operou. Lave bem de todo o sal e introduza-os numa panela com água a ferver.
Assim que a água começar a retomar o borbulhar, apague a fonte de calor e deixe a panela tapada por cinco minutos, após os quais deve escorrer a água quente e arrefecer os carapaus cobrindo-os de água fria.
Alimar os carapaus (que muita gente associa ao limão ou algo cítrico) é apenas esta operação de limpeza de peles e algumas espinhas (limar a pele ao carapau) que se faz deslizando o dedo
sobre a superfície da pele, que sai prontamente
e retirando depois as barbatanas dorsal e ventral, o que deixa este característico sulco no peixe depois de arranjado.
Disponha-os num recipiente onde fiquem bem ajustados
e onde, após generosamente cobertos de fatias de alho e salpicados com pimenta possam ficar quase imersos em azeite e uns golpes de vinagre de vinho.
Espere mais um dia, em que os ácidos do azeite e do vinagre vão finalizar a transformação da carne do carapau, para provar enfim esta delícia, acompanhados como quiser.

É comum dispor umas rodelas finas de cebola nova sobre o peixe momentos antes de servir.
  

Cachaço Anchovado a Baixa Temperatura

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              Sendo a enorme maioria dos actos culinários formas aparentadas de transformar alimentos através da administração de calor, não será de estranhar que a simples modificação do paradigma habitual neste fornecimento energético ao sistema termodinâmico que é um tacho ao lume, provoque modificações radicais no resultado final da operação.
Já aqui abordei por diversas ocasiões essa forma subtil de cozinhar que é vulgarmente designada por “cocção a baixa temperatura”, aberta ou a vácuo, que consiste basicamente em sujeitar uma proteína animal, carne ou peixe, às temperaturas limite em que as proteínas hidrolisam, sempre muito abaixo da temperatura de ebulição da água de modo a evitar a dessecação da peça.
Irei hoje levar mais longe esta  opção, cozinhando um cachaço de porco com anchovas durante oito horas a 75ºC, em ambiente fechado mas não a vácuo, obtendo assim o melhor de dois mundos: a textura única da carne cheia de sucos que se obtém na baixa temperatura, aliada ao sabor de um cozinhado no forno.

Ingredientes:

Cachaço de porco desossado
Sal
Limão
Pimenta
Pimentão
Alhos
Filetes de anchova
Vinho branco
Molho de soja “dark

Preparação:

Apare o cachaço de forma a eliminar gorduras, peles e pedaços de carne que sempre traz agarrados, dando-lhe uma forma regular e uniforme.
Reserve as gorduras retiradas.
Faça uma salmoura cítrica, dissolvendo um generoso punhado de sal em água fria e juntando-lhe sumo e casca de limão. Mergulhe o cachaço aparado nesta salmoura e deixe no frio por 24 horas, de modo a perder o excesso de sangue, hidratar e salgar.
Seque a carne, faça-lhe uns orifícios no sentido do comprimento
e com o auxílio de uma pinça introduza nestes orifícios filetes de anchova
(reserve dois filetes) de modo a que fiquem a percorrer internamente todo o comprimento da peça.
Derreta ao lume as gorduras que reservou quando aparou o cachaço
(razão porque deve fazê-lo em casa e não trazer o cachaço já limpo do talho) e na banha apurada, sele o cachaço em lume muito forte, por todos os lados e de modo a que faça uma crosta tostada mas que fique cru imediatamente abaixo dessa crosta.
Com o auxílio de uma agulha curva, dê então uns pontos nas aberturas que fez para rechear de anchova, furos esses que ficam bem visíveis após a selagem.
Faça uma mistura da gordura onde selou a carne, com vinho branco, pimenta, pimentão, alhos esmagados e sal e regue a carne com este líquido.

Leve o cachaço ao forno, dentro de um recipiente fechado, nunca o abrindo nas primeiras cinco horas, sempre a 75ºC*. A partir da quinta hora, destape de hora a hora e verifique a temperatura do centro da peça, utilizando para o efeito sempre o mesmo orifício para introduzir a sonda do termómetro**. Retire quando esta temperatura atingir os 73ºC, o que vai variar consoante o tamanho da peça e as condições do forno e recipiente; no meu caso demorou oito horas.
Leve o abundante molho formado ao lume para reduzir, juntando-lhe dois ou três filetes de anchova esmagados e uma colher de sopa de molho de soja escuro (na falta do molho de soja, substitua a anchova e o molho de soja por molho inglês).
Corte fatias muito finas e sirva com acompanhamentos a seu gosto.


Notas: * As temperaturas indicadas pela maioria dos fornos domésticos são tudo menos confiáveis, chegando por vezes a disparidades perfeitamente anedóticas. Antes de avançar para estas preparações em que a temperatura é rigorosa, deverá aferir o comportamento do seu forno, o que se faz comparando as temperaturas indicadas no mostrador  com as medidas por um termómetro culinário. A tabela assim construída, permitir-lhe-á saber sempre a temperatura real que existe dentro do seu forno.
** Continua a ser normal verem-se cozinhas cheias dos mais diversos aparelhos e artefactos culinários, às vezes verdadeiramente técnicos e até profissionais, mas onde, lamentavelmente, falta esse utensílio imprescindível que é o termómetro. Tradicional ou digital tanto faz, cozinhar sem ter à mão esse recurso essencial é como conduzir um automóvel de olhos vendados.

Vindalho de Porco (Vindaloo)

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              O vindalho de porco, hoje quase sempre designado por “vindaloo”, é talvez o mais famoso prato da cozinha goesa, miscigenação única entre duas culinárias tão diversas como as portuguesa e a indiana, sendo o termo a contracção dessa expressão lusa tão conhecida que é “vinha de alhos”.
O vindalho é um prato rijo e que não está ao alcance de todos os palatos, embora hoje existam por aí umas versões suavizadas de “vindaloo” mas que, naturalmente, são tudo menos um vindalho goês, que tirar o picante a um vindalho é o mesmo que lhe tirar a alma. 
Foram garbosos vindalhos no velho “Zuari”, ali entre Santos e a Lapa, os responsáveis por muitos suores frios e quentes da minha vida, os olhos mareados naquele lugar único onde ainda hoje é possível ver algum velho goês que, enquanto espera pela refeição vai trincando com displicência, não alguma azeitona, um pedaço de pão com manteiga ou uma fatia de queijo, mas sim malaguetas de um pratinho que o Sr. Orlando trata de ali pôr para entreter.   
É assim o vindalho que pode comer em Goa, ou no “Zuari”, ou em sua casa se o fizer:

Ingredientes:

Carne de porco, limpa
Azeite ou óleo
Cebola
Tomate concentrado
Coentros frescos
Malagueta verde
Vinha de alhos e especiarias (a)
Arroz Basmati

  a)   Vinha de alhos e especiarias:

Açafrão das Índias (cúrcuma)
Alhos
Cravinho
Cominhos
Cardamomo
Pimenta preta em grão
Gengibre fresco
Canela em pau
Coentro (sementes)
Mostarda branca (sementes)
Malaguetas vermelhas
Sal
Vinagre de vinho

Preparação:

Com estes ingredientes (e mais cebola que não ficou na fotografia)
se faz um vindalho de porco que, como o seu nome indica, há-de começar pela vinha de alhos, que neste caso se prepara triturando num almofariz todos os elementos indicados até obter uma pasta.
Nesta fase, se pensa que poderá não aguentar o picante final, experimente suprimir as sementes das malaguetas, usando apenas a parte vermelha. As vagens de cardamomo devem ser libertadas da casca, utilizando-se apenas as sementes que contêm.
Envolva bem a carne previamente cortada em cubos e deixe no frigorífico por 12 horas, ou para o dia seguinte.
Frite a cebola picada no azeite mas sem deixar alourar, junte a carne temperada
e leve a lume forte por uns minutos, mexendo sempre. Junte malagueta verde picada, o tomate, água que baste para cobrir a carne e deixe a fervinhar, tapada, em lume baixo por cerca de uma hora ou até a carne estar tenra e o molho espesso

e salpique de coentro verde picado grosseiramente.
Sirva acompanhado com arroz basmati cozido em água sem sal.


 Nota: ...para "apagar" fogos destes, não há como uns gomos de laranja. Fazem milagres!

Canja de Bacalhau com Poejos e Espinafres

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           Areflexão que deixo lá em baixo* como nota, nasceu da dificuldade que senti para enquadrar, ou não, esta sopa-refeição maravilhosa nesse conceito abrangente que é o de Cozinha Tradicional Portuguesa.
É que se é verdade que não há qualquer tradição registada desta “canja”, não é menos verdade que ela foi inspirada directamente em pratos e sopas bem conhecidos da tradição culinária alentejana, as poejadas, as sopas de peixe, a quem buscou ingredientes e processos para se criar e que se vão encontrando a cada passo em cozinhas como as da minha aldeia alentejana, sem preocupações de ser fiel a esta ou aquela receita mas respeitando-as todas afinal pois foram e são a sua matriz, que é isso a verdadeira Cozinha Tradicional.
O resultado é um sabor nobre, ancestral, a dar aquele reconforto que as sopas antigas dão e a desmentir no palato que seja coisa acabada de nascer.

Ingredientes:

Bacalhau demolhado, lombo alto
Azeite
Alhos
Poejos frescos
Espinafres
Arroz carolino
Ovos
Sal e pimenta

Preparação:

Cubra as postas de água fria e leve ao lume médio com sal.
Quando começar a querer ferver, baixe para mínimo de modo a que não chegue a borbulhar e deixe por uns minutos. Retire as postas e reserve à parte a água onde cozeram.
Estale no azeite os alhos fatiados, sem deixar alourar.
Salpique com pimenta moída e junte a água de cozer o bacalhau. Quando ferver, incorpore então um molho de poejos frescos
ripados e um punhado de arroz carolino. Quando este estiver meio cozido junte por fim folhas de espinafre.
Sirva com um ovo que foi escalfado à parte,
de modo a que conserve a gema cremosa.
 Nota:
*Há poucas expressões mais ingratas e dadas a confusões do que “Cozinha tradicional portuguesa”. 
É que, se com “cozinha” e “portuguesa” não há muito a discutir, já o termo “tradicional” presta-se a bem diferentes interpretações, o que faz com que existam defensores da tradição que, na prática, defendem conceitos que acabam por ser quase antagónicos.
De facto, existem duas formas de entender a tradição: Uma, que devo desde já esclarecer que é a minha, entende a tradição como um contínuo em permanente mutação, a forma como chegaram até hoje os antigos costumes mas alterados por aquilo que deles fomos fazendo, neste caso nas nossas cozinhas, sendo o modo como esses velhos pratos mudaram até hoje aquilo a que chamo cozinha tradicional. Outros acham que a cozinha tradicional é algo de museográfico, os pratos como os nossos avós os comiam e que alguém em determinada época recolheu e passou ao papel, ficando desde então suspensa a sua evolução e cristalizando a sua “cozinha tradicional” em algo que é apenas a tradição suspensa num certo tempo, ou seja, tornando essa tradição numa espécie de reconstituição histórica de cozinhas, não tradicionais mas sim de antanho. É deste conceito de tradição como reconstituição histórica que nascem as confrarias deste ou daquele prato, pão ou doce que, erigidas numa espécie de inquisição certificadora, velam para nada mude, nada se experimente em relação à sacrossanta receita que a avozinha deixou.
Não se pense pelo que acabo de dizer que não gosto ou que menosprezo esse esforço de preservação histórica de receitas, muito pelo contrário como aliás se pode comprovar à saciedade pelo aqui se publicou; o que não gosto é de ver tiranias de velhas tradições a quererem impor uma censura às inovação, experiência e criatividade que, felizmente, nunca deixam de acontecer nas cozinhas de todos nós, em todos os tempos. Chama-se evolução e é o que faz com que aquilo que era tradição no tempo da minha avó tenha passado para a minha mãe com as inovações que ela lhe fez e que a minha mãe as tenha passado a mim com as suas próprias peculiaridades criativas. 
Eu, como bem sabem os que me lêem, não me coíbo de experimentar, umas vezes com bons resultados, outras nem tanto! É dessa tradição que aqui se trata.



Peito de Frango Promovido

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               Aúnica coisa que consigo imaginar mais triste e insípida do que um peito de frango de aviário é um peito de frango de aviário depois de desprovido da sua pele. Alinhados nas bandejas dos talhos modernos, rosados e brilhantes sob as luzes estudadas do marketing cárnico, é sem vestígio de pele que se vendem a prometer suculências para o que só vai dar secura, pelo que se quiser experimentar alguma potencialidade de uma destas peças de frango, deverá comprar a ave inteira e retirar-lhe os peitos. Poupa dinheiro, ganha qualidade e sabor, sobram-lhe duas pernas para outra refeição e uns ossos que farão um belo caldo.
Foi o que fez a Maria José, aproveitando uma das raras ocasiões em que eu abrando esta tirania doméstica tão injusta de querer a cozinha só para mim… e que bom ficou, o peito ingrato assim promovido a iguaria!

Ingredientes:

Peito de frango, com pele
Salsa
Orégãos frescos
Tomate seco, em azeite
Queijo Fetta (ou outro branco salmourado)
Sal e pimenta
Sumo de limão

Preparação:

Com o auxílio de uma faca bem afiada, retire os peitos

a um frango de aviário, conservando-lhes a pele.
Repare que no lado oposto à pele se destaca um músculo em forma de fuso afiado, notando-se uma fenda entre esse músculo e o resto da carne do peito. Explore essa fenda e a partir do seu interior dê um corte incompleto na espessura do peito de modo a formar um saco em forma de envelope.
Salpique de sal e pimenta por dentro e reserve.
Pique bem fino os orégãos, a salsa, 
o tomate seco e junte-lhes o Fetta esfarelado. Misture bem de modo a formar uma pasta grosseira
e recheie a cavidade que formou nos peitos.
Feche e prenda com palitos.
Derreta uns pedacinhos de gordura do frango de modo a olear uma frigideira, aqueça bem e sele os peitos recheados até estarem louros tudo à volta e a pele estaladiça.
Baixe então o lume para mínimo, tape e deixe cozinhar até considerar que a carne está passada a seu gosto, o que levará entre 8 e 12 minutos. No fim, junte o sumo de um limão para desglaçar os caramelos que se formaram na frigideira.
Fatie enviesado, com cuidado para não desmanchar as fatias
e sirva com acompanhamento a gosto, regado com o molho formado.


Choquinhos Grelhados

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          Quando se tem a sorte de encontrar esta verdadeira preciosidade que são os choquinhos frescos mesmo muito pequenos, desses que cabem uma dúzia na palma da mão,
logo se pensa em fritá-los, chame-se-lhes ao alhinho, à algarvia ou simplesmente fritos, que no fim as diferenças entre as receitas, quando as há, são poucas ou nenhumas e estão aí por todo o lado, todas enfermando desse pecado originado por uma só palavra, “impecavelmente”, que aplicada ao amanho dos choquinhos, acabou por transformar este prato de pescadores numa outra coisa, que perdeu no caminho o seu mais precioso tempero: as suas entranhas. Agora impiedosamente estripados à conta do tal advérbio de modo e da interpretação infeliz que dele se fez, mais salsa, menos coentro, mais alho, menos vinho branco, seria fastidioso repeti-la aqui, até porque do que aqui hoje se trata é de grelhar esses maravilhosos juvenis do choco e transformá-los num pitéu que só provado!

Ingredientes:

Choquinhos
Sal
Azeite e vinagre
Acompanhamento

Preparação:

Amanhe “impecavelmente” os choquinhos,
que consiste exactamente em lavá-los bem para que percam qualquer areia que possam conter, retirar-lhes os olhos e o aparelho bucal. Mais nada!
Salpique-os de sal e leve-os a uma chapa bem quente, com o “osso” virado para cima. Ao fim de uns segundos esses pequenos “ossos” destacam-se,
altura em que deve retirá-los e virar o choco para secar o interior.
Sirva com acompanhamento a seu gosto.





O Outras Comidas e o Facebook

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             Por detrás desta página que todos os leitores podem ler, existem outras só acessíveis ao dono do blog e que lhe dão um enorme manancial de informação sobre a saúde do seu blog e o modo como ele se está a comportar dentro desse mundo que se costuma designar por Blogoesfera. 
Ali se podem obter preciosas informações sobre que público está o blog a atingir, quantas visitas, a que hora acontecem, de que áreas do mundo provêm e quais os canais através dos quais o leitor navega até chegar a ler o nosso blog.
Curiosamente, a enorme maioria dos donos de blog, ignora olimpicamente esta informação e vai deixando que o seu blog “aconteça” conforme lhe vai apetecendo.
Foi através do estudo desta informação que tenho nas “traseiras” do Outras Comidas que em relação ao Facebook penso que está a ser desastrosa a inclusão ali de notas ou chamadas sobre as publicações em blog; são mundos diferentes e o Facebook tem um efeito canibal que não aproveita a ninguém. Perdem-se leitores no blog para o trabalho sério que ali apresentamos e ganham-se leituras rápidas de cabeçalho, likes automáticos e “comentários” que, as mais das vezes, não comentam nada e são apenas exclamativos ou simples cortesia social.
Assim, esta é a última vez que um post do Blog “Outras Comidas” será ali mencionado. Cada coisa em seu sítio! O que é das comidas no blog, o que é do âmbito social, no Facebook.
Até já, ou aqui, ou lá.



Caldeirada

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          A Caldeirada é o mais português dos pratos de peixe, uma relíquia preciosa da nossa identidade gastronómica galaico-portuguesa; apenas na Galiza piscatória há uma caldeirada parecida, mas a Galiza é esse querido pedaço de Espanha que mais parece Portugal.
Pela Europa fora aparecem vários guisados e sopas de pescado que são isso mesmo e apenas, guisados. Mas Caldeirada não é peixe guisado? Não!
Caldeirada é o resultado de um ritual complexo e delicado, cuja quebra inadvertida é de imediato punida pela transformação em "peixe guisado com batatas e tomate". Sem retorno.
Este é um pitéu dos deuses e um legado que temos obrigação de fazer a preceito.

Ingredientes:

Safio (Congro), postas da barriga.
Raia
"Caldeirada" ( Ruivo, Rascasso, Tamboril, Peixe Galo, Moreia, Cação, Patarroxa, etc.)
1 ou 2 Sardinhas (facultativa))
Cebolas
Tomate muito maduro (no Verão)
Polpa de Tomate
Pimento
Malagueta (facultativo)
Sal e Pimenta moída
Vinho Branco
Alhos
Louro
Ramo de Salsa
Azeite

Preparação:

O Safio e a Raia são obrigatórios. Dos outros escolha mais três ou quatro, não compre as "caldeiradas" já feitas porque são sempre logro. O peixe deve ser partido em pedaços de tamanho coerente entre si e deve permitir que todos os comensais tenham possibilidade de provar todas as variedades.
Escolha um tacho ou panela largos, de modo a evitar muitas repetições nas camadas. A caldeirada é feita de modo estratificado rigoroso; na primeira camada, forro o fundo com rodelas de cebola, grossas,
de resto esta é a única camada de cebola que uma caldeirada leva. Ponha então uma camada de rodelas de batata

e depois uma camada de peixe variado (não o safio nem a raia).
Chegou a altura de temperar: directamente sobre o peixe ponha o sal e a pimenta, a malagueta se quiser, os alhos, 1 ou 2 folhas de louro.
Sobre o peixe temperado ponha então o pimento  cortado em tiras.
Não esqueça que o pimento funciona aqui como tempero e que a moderação é essencial; aqui o sabor - rei é a peixe e a mar, não a horta! Sobre as tiras de pimento vem então o tomate. Se for no Verão e tiver tomate amadurecido naturalmente e muito maduro utilize-o com abundância, metade em pedaços grosseiros, metade passado pela varinha. Se não for Verão, use tomate em rodelas e polpa de tomate.
Neste caso acrescente um cálice de vinagre de vinho ou sumo de limão, para compensar a falta em ácido dos tomates de estufa.
A partir daqui repete rigorosamente a ordem a partir da batata: Batata,
peixe (agora a Raia e o Safio),
tempero, Pimento, Tomate.
A caldeirada perfeita tem só duas camadas de peixe. Claro que, se não coube nas anteriores e ainda tem peixe para pôr, poderá ter de fazer uma terceira camada, mas atenção, sempre respeitando os estratos, nada de peixe sobre peixe ou batata sobre batata.
A última camada de cima deve ser tomate. Se está a fazer a versão que leva a sardinha, esta é, na Caldeirada, apenas um tempero que se retira e rejeita no fim. Ponha então um ramo de Salsa e, eventualmente, a Sardinha a fechar.
Regue generosamente com Azeite Virgem e adicione 1 ou 2 copos de Vinho Branco. Depende bastante da arrumação que conseguiu dar ao tacho e da quantidade de tomate usada. De qualquer modo, o nível de líquido deve ficar uns dois dedos abaixo do nível do tomate superior.
Dê uma agitadela sóbria ao tacho, para soltar a cebola do fundo.
Tape e ponha ao lume. Após ferver conte 25 a 35 minutos com lume baixo. A batata desfaz um pouco o que só melhora o molho. Apague o lume e espere uns minutos antes de servir.
Sirva com cuidado, nada de conchas ou despachar "à cantina". A caldeirada é desconstruída e servida rigorosamente na ordem inversa em que foi feita.

Notas:

Use sal marinho não refinado (compra-se na secção de produtos naturais) ou Flor de Sal.
Por mais vermelho que se apresente, o tomate fresco fora de época não serve para este prato.

As postas fechadas do Safio são incomestíveis. No entanto o preço do peixe inteiro justifica por vezes a sua compra assim. Para aproveitar as postas fechadas, que são mais de meio peixe, congele-as ligeiramente, de modo a ficarem duras mas cortáveis, corte-as em fatias de meio centímetro, salgue muito ao de leve e frite sem qualquer revestimento, demoradamente em lume médio, para ficarem bem fritas e estaladiças. São um petisco delicioso.

Flores de Sabugueiro Fritas

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                  O sabugueiro é uma árvore/arbusto muito difundida na Europa e também em Portugal. No Sul é geralmente encarada como decorativa ou simplesmente bravia, mas na região de Trás-os-Montes é já cultivada extensamente para aproveitamento das suas propriedades medicinais, alimentares e como corante.
Eu tenho um sabugueiro antigo no meu monte alentejano, que teima em ressuscitar, ano após ano coberto de flores por esta altura,
isto apesar das tropelias a que já foi sujeito, até fogo lhe puxaram aqui há anos! No clima seco do Sul é raro que as belas flores cheguem, já no Verão, a dar as bagas negras características do sabugueiro, pelo que apenas costumo utilizar as flores para fazer o xarope de flores de sabugueiro que, transformado nesse delicioso refresco tão popular na Europa do Norte, há-de mitigar os calores alentejanos de Agosto. Uma receita da sua preparação já aqui figura desde 2008 e em breve aqui ficará uma outra, uma extracção a frio que decorre neste momento.
Curiosamente, foi numa publicaçãotão prosaica como se pode esperar de algo oriundo de uma dependência do Ministério da Agricultura, a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, a propósito da divulgação do seu cultivo na região de Mirandela, que fui encontrar informação preciosa sobre a utilização das flores e frutos do sabugueiro, em infusões, geleias, compotas, marmeladas, licores, vinagres e também em filhós e… fritas!
Foi a partir desta informação que decidi experimentar uma versão não-doce, algo que poderia ser descrito como um “peixinho-da-horta” de flor de sabugueiro, uma tempura toda ela aromática e que pudesse ser usada como petisco, entrada ou até como acompanhamento, que foi como as comi.

Ingredientes:

Flores de sabugueiro frescas
Polme para tempura
Óleo para fritar

Preparação:

Use de preferência flores acabadas de apanhar, de modo a que os pequenos raminhos estejam firmes. Não as lave, examine-as com cuidado pois é frequente albergarem algum insecto.
Prepare um polme com farinha extra-fina 55, gema de ovo, sal e água bem fria, de modo a que não fique muito espesso (menos que para peixinhos da horta) e adicione, depois de bem batido, as claras em castelo firme. Envolva.
Aqueça bem óleo, de modo a que haja uma altura de gordura suficiente para cobrir a flor deitada mas de modo a que o pedúnculo fique de fora.
Mergulhe no polme cada flor,
segurando-a pelo pé, deixe escorrer um instante e mergulhe-a no óleo carregando a flor contra o fundo da frigideira
de modo a que abra os raminhos que o polme juntou e fique com este aspecto.
Se usar o polme mais espesso ficarão mais fofas mas menos bonitas, algo como uma patanisca com um pé a sair e com o aroma do sabugueiro mais diluído. São as filhoses de sabugueiro, após serem polvilhadas de açúcar e canela ou besuntadas com alguma compota.
As minhas, comi-as assim mesmo
e, enquanto houver flores no sabugueiro, será petisco a repetir.


Novo lote de Tuochá (7 anos)

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         Este post sai um pouco da linha culinária do Outras Comidas para deixar uma nota que até pode parecer publicitária mas não é, já que ninguém me pediu ou pagou para fazê-la e eu não tenho qualquer interesse pessoal no comércio de produtos chineses.
Se falo aqui deste chá prensado de Yunnan, é porque sei que, para os incondicionais de chá, como eu sou, esta é uma notícia importante e nem os próprios comerciantes se apercebem por vezes daquilo que têm nas prateleiras. Foi o caso deste Tuochá, que hoje descobri perdido entre chás e tisanas, tapiocas e molho de soja, na Babel de produtos que são os supermercados chineses do Martim Moniz, neste caso o Chen, do Poço do Borratém. 
Eu sou consumidor antigo e devoto de Tuochá prensado em ninho, esse magnífico e desconhecido chá de tripla fermentação que, ao contrário de todos os outros chás e à maneira dos grandes vinhos, vai melhorando com a idade. Normalmente uso o de cinco anos, de que vos falei aqui em 2009, é acessível à minha bolsa e está disponível em Lisboa. A novidade é que esse de cinco anos e embalagem verde deu lugar a este Tuochá de sete anos, verdadeiramente excepcional e com embalagem vermelha.
Por dentro o mesmo "ninho" de Chá de "cepas" velhas de Yunnan, com o seu aroma poderoso e os tronquinhos característicos,
agora com direito a um forrinho de cetim amarelo algo fúnebre e inútil,
provavelmente a querer justificar o preço que aumentou substancialmente mas que continua bem dentro do que é razoável para uma maravilha assim!

Xarope de Sabugueiro (extracção a frio)

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               Populares por toda a Europa Central e do Norte, onde adquirem nomes impronunciáveis para a nossa simplicidade latina, os refrescos feitos a partir de flor de sabugueiro só agora vão ganhando adeptos entre nós e ainda bem, que há poucas coisas mais deliciosas e refrescantes que uma boa limonada aromatizada por esse aroma único que é o das pequenas flores do Sambucus Nigra.
Já aqui vos deixei uma receita há vários anos, dessa vez a que aprendi em S.Romão, com os amigos da Casa Santa Isabel. O sistema de extracção que usam, na tradição alemã, é feito  a quente e os resultados excelentes embora apresente algo que, não sendo propriamente um defeito, estraga um pouco a apresentação final: a turvação, mais ou menos acentuada mas sempre presente quando as flores de sabugueiro são sujeitas a fervura e que resiste a todas as manobras de clarificação e filtração. Já os processos de extracção a frio tradicionais apresentam problemas na conservação, que não se consegue garantir fora do frigorífico por períodos prolongados.
Este ano, decidi experimentar um outro processo que imaginei para poder guardá-lo sem preocupações durante todo o ano e evitar essas “nuvens” que sempre aparecem, logo ou alguns meses depois. Os resultados, pelo menos por agora, não podiam ser melhores.

Ingredientes:

Flores de sabugueiro
Limão
Açúcar
Ácido cítrico em cristais

Preparação:

Use flores recém-apanhadas
e separe-as dos raminhos esverdeados que as sustentam e que dão um travo amargo ao xarope.
Encha um recipiente que possa fechar de modo estanque até cerca de dois terços da sua altura com estas flores,
adicione raspa do vidrado de limões,
açúcar branco (150g para frasco de 1l)
e duas colheres de sobremesa de cristais de ácido cítrico
por cada litro de capacidade do recipiente. Cubra de água mineral pouco mineralizada,
feche e leve por uma semana ao frigorífico, para ter a certeza de que não se inicia qualquer fermentação.
Ao fim desta semana de infusão a frio, o líquido tomou um tom amarelado característico, está fortemente aromático e, principalmente, está totalmente cristalino que é o que não acontece na extracção a quente.
Filtre cuidadosamente para que não haja neste extracto qualquer elemento sólido,
 pese o filtrado e junte-lhe o mesmo peso de açúcar. Leve ao lume até levantar fervura e o açúcar estar totalmente dissolvido e enfrasque assim a ferver  em recipientes esterilizados por fervura ou por quinze minutos no forno regulado para 150ºC. Pode ser guardado à temperatura ambiente até ser aberto e usa-se diluído em água gelada como um outro xarope.
Se usar açúcar amarelo em vez de branco, o xarope terá uma coloração mais acentuada e o sabor depois de diluído não se altera significativamente.






Tapioca (doce)

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              No tempo em que eu andava na escola primária, tinha um secreto orgulho na tapioca, sobremesa que, ao ser mencionada, provocava nos meus colegas o espanto da completa ignorância sobre a delícia descrita e da minha parte o tal sentimento de superior exclusividade: eu era o único miúdo da escola que sabia o que era tapioca!
A tapioca tinha entrado em minha casa pela mão da minha tia-avó, que por sua vez a tinha trazido dos tempos em que viveu na Guiné e era usada as mais das vezes como alimento-remédio, um conceito que hoje se perdeu mas que era então comum e englobava sabores especiais para convalescenças, os caldos de carneiro, os xaropes de cenoura e, para os assuntos gástricos e intestinais, a deliciosa tapioca doce com as suas bolinhas gomosas e sabor a arroz doce.
Antes de prosseguir e porque a designação “tapioca” não é consensual e quer dizer algo bem  diferente conforme se refira em Portugal ou no Brasil, que fique desde já assente que esta tapioca de que eu falo é a variedade granulada de amido de mandioca,
que nalgumas regiões do Brasil se chama “sagu” e não a outra fécula em pó finíssimo, os polvilhos, com que se fazem aqueles conhecidos pães de queijo e, no Nordeste, o delicioso e estaladiço beiju (que um dia destes aqui vou deixar).
A tapioca atravessou séculos confinada a um estatuto de ingrediente étnico e só recentemente foi acordada desse torpor e entrou na senda da globalização das cozinhas  e das modas gluten-free, sendo hoje já mais conhecida e até figurando em algumas cozinhas “estreladas” talvez pelo seu aspecto graficamente   sedutor, todas aquelas bolinhas transparentes, brilhantes e passíveis de saborizar, colorir e aromatizar. Tenho-a usado em coloridos acompanhamentos “light” (esta uma tapioca de cúrcuma),
mas hoje trata-se aqui da boa e velha tapioca doce!

Ingredientes:

50g de tapioca granulada
0,5l de leite
125g de açúcar
2 gemas
Vidrado da casca de um limão
1 pitada de sal
Canela em pó q.b.

Preparação:

Leve o leite ao lume e quando ferver adicione a tapioca em chuva e mexendo sempre para que não se cole. Normalmente indica-se demolhar previamente a tapioca mas, experimentada a técnica, não mostrou qualquer vantagem sensível, pelo que optei pela introdução directa, a seco.
Deixe fervinhar mexendo de vez em quando até a tapioca estar cozida, o que se vê quando as bolinhas que primeiro são brancas e depois transparentes com um núcleo branco se transformam em esferas gelatinosas e totalmente transparentes.
Junte então o açúcar e o vidrado do limão,
deixe ferver por mais dois ou três minutos, retire o limão e junte por fim duas gemas sem a película que as contém, mexa bem e leve mais um minuto ao lume
antes de passar para um recipiente de serviço.
Deixe amornar antes de polvilhar de canela.
Deliciosa assim morna e cremosa, gosto especialmente dela depois de fria, com a sua consistência apudinada
e os pequenos globos a pedirem na boca para serem trincados…

  

Entremeada com Pimenta

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               A deliciosa maneira de temperar e assar leitão, que teve origem na região bairradina e que se baseia num fornear sábio e num tempero à base de banha, alho, sal e pimenta, foi depois utilizada em diversas outros locais por esse Portugal fora, dos quais avultam, mais a Sul, o Leitão de Negrais e até o Cabrito Estonado à Moda de Oleiros. Por aqui, fervoroso adepto de leitão, tenho utilizado esta mistura de temperos em muitas carnes e até em frango, sempre com resultados muito satisfatórios.
 Se é verdade que um leitão é um porco pequeno, não é menos verdade que um porco é um leitão grande e o método geral que cozinha um com êxito, por força cozinhará o outro e foi essa a ideia que presidiu a esta entremeada com pimenta, feita em tudo como se de leitão se tratasse. Pelas provas deixadas, será seguramente prato a repetir.

Ingredientes:

Entremeada alta, magra.
Sal
Pimenta preta moída
Alhos
Banha de porco
Vinho branco

Preparação:

A entremeada a utilizar deve ser magra e alta o suficiente para evitar  que a carne desseque ao assar; aquela parte que confina com o entrecosto, chamada ponta do entrecosto, com courato, é ideal para este fim.

Comece por fazer o tempero que será a alma deste prato, esmagando no almofariz os alhos com o sal grosso e a pimenta moída
até obter uma pasta à qual adiciona então banha de porco
e um pouco de vinho branco, misturando tudo até obter uma pasta lisa.
Barre todo em volta a peça de entremeada
e leve-a a forno muito forte por cerca de quinze minutos, sobre uma grade e com a pele para cima, de modo a obter o primeiro dourado, após o que baixa para forno médio (175ºC), regue com vinho branco frio e deixe assar por cerca de 60-80 minutos, fazendo por diversas vezes essa operação de trazer a carne fora do forno e salpicar com o vinho branco, o “constipar”, responsável pela textura estaladiça que o courato adquire.
O resultado é uma entremeada com este aspecto,
suculentíssima por dentro
e com um sabor aproximado o possível ao do irmão mais novo.

Acompanhe como mais gostar; aqui optei pelo acompanhamento tradicional do leitão da Bairrada.

Salada de Bacalhau Cru e Courgette

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              Quando o tempo aquece e as cozinhas se tornam lugares quentes e até inóspitos para acalorados como eu, é como se o corpo passasse a pedir frescura, leveza e até pressa, que há tanta coisa a fazer lá fora e o Verão é tão rápido a esgotar-se. Chegou o tempo das saladas!
As saladas são uma festa. Paradigma da liberdade criativa, a composição de uma salada tem como único limite as nossas imaginação e ousadia. Tudo se pode combinar numa salada, permitindo sair dos sabores vegetais tradicionais das saladas-acompanhamento e entrando decididamente neste conceito da salada em que ela própria é a refeição.
A única verdadeira regra na confecção de uma salada é que deve respeitar o seu gosto e preferências, sendo ridículas as regras combinatórias que por certo já encontrou e a que não deve ligar qualquer importância, pois na verdade são apenas o reflexo do gosto de alguém, não do seu. Se imagina que pode ficar bem, experimente!
Nesta primeira de várias saladas que aqui vou deixar e que desenvolvi a partir de bacalhau cru desfiado como para uma punheta, juntei-lhe por um lado sabores clássicos como seus acompanhantes noutras situações, por outro lâminas de courgette,
descoberta recente mas que tenho usado muitas vezes, tal a qualidade que este ingrediente, até há pouco sempre usado cozinhado, mostra cru como parte ou até base de saladas.

Ingredientes:

Bacalhau demolhado
Tomate maduro
Chalotas (ou cebola nova)
Courgette
Pimento vermelho
Alho
Azeitonas
Orégãos
Sal e pimenta
Azeite e vinagre

Preparação:

Demolhe, limpe e desfie bacalhau. Com o auxílio de um descascador de legumes, vá retirando lâminas ao longo de uma courgette
de modo a que cada lâmina conserve uma borda de casca, que resulta graficamente atraente, rejeitando a parte do fruto que tem as sementes,
que pode utilizar para outro fim, como para uma sopa.
Parta o resto dos ingredientes, tempere com sal e pimenta tendo em atenção o sal que o bacalhau, se for alto, poderá transportar para a salada,
adicione azeite virgem e vinagre e envolva bem antes de servir.
  

Outros “confits”

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              A Occitânia é uma região do sudoeste francês onde nasceu um das preparações emblemáticas da cozinha francesa, o Confit de Canard.
Tendo começado por ser uma técnica de conservação, consistia na cocção demorada e a baixa temperatura de carne de pato, imersa na sua própria gordura, técnica de conservação também usada entre nós com os alentejanos rojões de conserva
Como em tantos outras situações este conceito original foi substancialmente alargado e deu até origem ao neologismo “confitar” (que não tem correspondência exacta a qualquer termo francês) com que se passou a designar por cá um grande número de procedimentos culinários que imitam no todo ou em parte o original confit, estendendo-se agora o seu objecto a muitas carnes, a peixes, a bacalhau e a diversos legumes. Como sempre também aparecem alguns oportunistas com faro para termos que lhes cheiram a modernaços e poderá encontrar em receitas e algumas listas de restaurante o termo “confitado” aplicado a algo cozinhado com lume baixo, a umas cebolas simplesmente caramelizadas, etc.; este é um campo a que convém estar atento mas com o qual não vamos perder tempo.
O que caracteriza um confitado, nesta acepção não-purista, é ter sido cozido lentamente a baixa temperatura e rigorosamente resguardado do contacto com o ar, o que se consegue aproveitando (para quem não disponha da cara tecnologia de baixa-temperatura), a regulação que os fornos eléctricos oferecem, para levar a cabo os nossos confitados; já na questão do isolamento do ar, a tradicional imersão em gordura animal (de pato ou de porco) para as carnes e em azeite para os peixes, pode ter alternativas pois na verdade qualquer líquido fornece essa barreira, até água, pelo que se pode confitar num caldo ou em vinho, por exemplo.
Mas se o que define o confitar é a temperatura e o isolamento, isso faz com que se possa isolar de outros modos, prescindindo da imersão. Dentro de um saco plástico apropriado (vácuo) ou bem embrulhada em alumínio, se lhe aplicar baixa temperatura prolongada nestas condições, obterá um confitado perfeito.
O que vou apresentar hoje é o conceito de confitado natural, na verdade trata-se de fechar carne de frango na sua própria pele e fazê-la a baixa temperatura, sendo a carne cozinhada na verdade envolvida pela gordura subcutânea da própria pele, logo, confitada.

Ingredientes:

Peito de frango
Pedaço de gordura de frango, crua
Temperos e/ou recheio a gosto (neste caso usei sal, paprika fumada “de la Vera”, pimenta preta e pasta de azeitona galega)

Preparação:

Para obter a pele necessária para envolver por completo meio peito de um frango, precisa de usar um frango para que a pele de uma metade sirva para completar o envolvimento da outra. Claro que não faltarão oportunidades de usar o que vai sobejar do frango. Use frango(s) grande(s).
Comece por cortar a pele de uma das metades do peito por uma linha que vai do pescoço e passa pela base interna da asa seguindo quase junto às costas.
 Com o dedo solte a pele até passar a linha do esterno
e desosse então a outra metade do peito, que ficará assim com a sua pele e com a pele da outra metade.

Abra então a carne pelo lado de dentro de modo a desenrolá-la 
sem nunca chegar a rompê-la e tempere-a a seu gosto; usei sal e pimenta preta moída na altura, pimentão fumado “de la Vera” e um pouco de pasta de azeitona preta Galega.

Feche de novo a carne, introduza um pedacinho de gordura fresca de frango entre a pele e a carne se achar que a pele é pouco gorda (se estiver a usar frango do campo, não é necessário) e envolva a peça completamente na pele.
Suture os dois bordos da pele,
formando assim um saco sem abertura alguma,
leve a uma frigideira muito quente por alguns segundos para tostar a pele
e passe depois para o forno regulado para 80º-85ºC durante duas horas. Durante este tempo a carne vai cozinhar lentamente na sua gordura e ficará perfeitamente confitada
o que se nota  depois na boca pela insuperável tenrura, sabor pronunciado e uma textura especial bem diferente do “farinhento” típico dos peitos de frango de aviário.



Beiju de Tapioca

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Deus lhe dê boa tarde, seu Tição. Ressu trouxe pra gente um quarto de paca, diz-que ocê caçou. Deus que lhe dê em dobro. – Apontou a construção: - Tá vendo? Não vai demorar nós fazer farinha e não ter mais precisão de trazer de fora. Na primeira fornada vou mandar uns beijus pra ocê.
                                                                                                             Jorge Amado – (Tocaia Grande) 
                Luís do Rego Pontes nasceu em Pernambuco em finais do Sec.XIX e morreu em Lisboa em 1928. Foi meu avô paterno e deixou-me, para além do nome,  um gosto “genético” pela maravilhosa cozinha do Nordeste do Brasil, com as suas Canjicas, Cartolas, Sarapatéis, Rapaduras, Escondidinhos e tantas, tantas outras, como as imensas maneiras de preparar as tapiocas, de que hoje vou aqui deixar uma versão do celebrado Beiju, esse magnífico crepe de mandioca que há muitos anos os portugueses da Capitania Hereditária de Pernambuco descobriram ser um perfeito substituto do pão e que levou a cidade de Olinda,  classificada pela UNESCO como Património Histórico e Cultural da Humanidade a dar à tapioca o título de Património Imaterial e Cultural da Cidade.

Ingredientes:

Amido de mandioca (polvilho doce)
Água
Sal

Recheio:

Carne seca (charque)
Manteiga
Pimenta preta
Queijo

Preparação:

O único ingrediente verdadeiramente essencial para preparar o beiju de tapioca é o amido de mandioca, que poderá adquirir nas lojas que vendem produtos alimentares brasileiros, africanos ou orientais e, conforme a origem, poderá apresentar designações tão diversas como “goma de tapioca”, “tapioca” (atenção, não é a tapioca granulada), “amido de mandioca”, “fécula de mandioca”, “amido de tapioca”, “tapioca starch” e “polvilho doce”, este último que existe na maioria dos supermercados.
Nalgumas casas especializadas poderá encontrar o amido de mandioca já hidratado, mas é bastante caro e tira graça à preparação. Assim, para hidratar o amido, há que juntar-lhe água o que pode não ser assim tão fácil e evidente, dado que a mistura de amido e água forma uma suspensão não-newtoniana de viscosidade variável e com comportamentos simultaneamente de sólido e de líquido.
Até que este assunto da hidratação do amido lhe seja familiar, sugiro que junte 175g de água fria a 400g de amido, misture, o que irá formar uns enormes e duros torrões e vá depois juntando quantidades muito pequenas de água de cada vez até que todo o amido esteja duro mas sem água a mais o que o faria de imediato “escorrer”. Quando o amido estiver todo húmido (i.e. duro),
desfaça-o com os dedos até ficar com a consistência de areia molhada e prense-o num aro de modo a ficar com este aspecto
e uma consistência que, ao toque, parecerá borracha maciça. Entretanto, se por algum imprevisto, o seu amido ficou com o aspecto de lama branca, a solução é “secá-lo” com mais amido.
Após a prensagem fica com aquilo que por lá se chama goma de tapioca, que deve então ser ralada fino, seja com um ralador como eu fiz,
seja através de uma rede metálica de calibre médio, de modo a que a goma ralada tenha o aspecto fino mas granuloso que tem o coco ralado seco.
Apesar de ser tecnicamente um crepe, o utensílio ideal para fazer beiju é uma frigideira anti-aderente não oleada, não uma placa crepeira.
Ponha a frigideira ao lume e deite no fundo uma porção de goma ralada que a cubra com a espessura de cerca de 4-5mm. Também pode ralar a sua goma directamente sobre a frigideira.

Deixe até que os bordos comecem a levantar e vire por alguns segundos apenas para assar o lado que primeiro ficou para cima.
Volte a virar, de modo que fique como inicialmente e recheie metade do beiju com o que quiser, doce ou salgado, a escolha é infinita. Eu optei por um dos recheios tradicionais do Nordeste, carne seca desfiada e frita com queijo.
Vire a metade livre do beiju sobre o recheio e deixe assar mais um ou dois minutos de cada lado
para que o queijo funda por completo e o beiju fique estaladiço e apetitoso.
Atenção que o amido não é farinha e portanto não espere obter algo tostado ou dourado: o beiju é branco!

O recheio

O importante no beiju é esta deliciosa crosta de tapioca, sendo o que ela envolve secundário. No Nordeste, e um pouco por todo o Brasil, são inúmeras as combinações que recheiam estas tapiocas, umas doces, outras salgadas.
Nesta usei  queijo da Ilha e charque, a carne de vaca salgada e seca,
demolhada durante 12horas, cozida e finamente desfiada
antes de ser temperada com pimenta preta e frita ligeiramente num pouco de manteiga.
  
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