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Cultivar Poejos

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                      Se é verdade que já não é impossível obter poejos frescos numa cidade, como acontecia ainda há bem poucos anos, não deixa de ser ainda, muitas vezes, tarefa árdua, com os escaparates a oferecerem salsa, coentros e hortelã, às vezes outras ervas mais raras, em corte ou em vaso, mas o poejo a faltar as mais das vezes.
Felizmente, o poejo é das mentas mais fáceis de propagar e cultivar em vaso, em qualquer janela de apartamento ou varanda e um vaso desta maravilhosa erva é suficiente para ter sempre ( de Outubro a Maio)  poejo disponível com o máximo do seu aroma e depois as hastes florais para usar nos meses quentes e para secar. Como é uma perene, apenas terá de esperar pelo Outono seguinte para voltar a ter poejos frescos.

Como fazer:

O poejo necessita apenas de um lugar que tenha uma exposição média à luz solar, aguentando bem situações de bastante sombra, ao contrário das outras mentas, exigentes quanto a luz.
Precisa portanto de um lugar com estas características, uma varanda, um beiral de janela, etc., de um vaso e de uma mistura de terra de jardim, dessa que se vende em sacos, misturada com uma terra de areia, na proporção de duas partes de terra para uma parte de areia. Estrume ou húmus de minhoca (vende-se em sacos nas floristas e casas de plantas) ajuda a uma boa produção.
A propagação do poejo faz-se por estaca, aproveitando o facto desta planta, naturalmente, emitir raízes ao longo dos caules. 
Mesmo nos raminhos de poejo que se compram, é vulgar trazerem estas raízes brancas e são estes os caules que vai utilizar como estaca, dispondo-os horizontalmente na superfície da terra, apenas as raízes dentro desta.
Noutras situações em que o caule favoreça mais essa disposição, poderá também enterrá-los na terra deixando de fora um ou dois nós com folhas.
Não lhe falte com água durante os primeiros dias e começará logo a ver as novas plantas a formar-se, não tardando a ter o seu vaso de poejo pronto para colher quando necessário, à tesoura, para não danificar as raízes e continuar sempre a produzir.



Beringelas Clandestinas

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                Num bairro antigo, muito antigo, de Lisboa, paredes meias com o fado, existe um restaurante clandestino.
Neste restaurante, que funciona numa casa de família chinesa, só se fala chinês, os clientes são, na esmagadora maioria pertencentes à comunidade chinesa em Lisboa e, come-se a verdadeira comida dos chineses que, a propósito, é algo de tão diferente daquilo que nos habituámos a conhecer nos restaurantes “chineses” para ocidental consumir, como diferentes podem ser as cozinhas mexicana e transmontana.
Aos não-chineses que, como eu, se aventuram neste espaço a todos os títulos estranho e surpreendente, é fornecida uma lista onde pouco do que se decifra tem a esperada correspondência e onde aos tomates anunciados frente ao 57, correspondem afinal umas beringelas extraordinárias; tão extraordinárias que foram as responsáveis pela transformação que em mim se deu em relação a este fruto que passei a vida a detestar e que, obra do clandestino, agora adoro.
Para esta 108ª Trilogia com o Amândioe a Ana, precisamente com o tema “beringela”, nada melhor que este delicioso prato, o 57 do clandestino!

Ingredientes:

Beringela
Polpa de tomate
Pimento vermelho
Alhos
Pimenta
Pasta de piri-piri
Tomate desidratado
Sal
Óleo de sésamo

Preparação:

Descasque e parta a beringela em palitos finos e longitudinais.
Mergulhe-os em água por alguns minutos.
Refogue em óleo de sésamo (ou óleo alimentar) tiras de pimento vermelho, alhos, polpa de tomate,  pimenta e piri-piri a gosto.
Junte a beringela e tomate desidratado triturado,
salpique de sal, e deixe fritar mexendo sempre até ver que beringela começa a ficar translúcida, o que deve acontecer muito rapidamente, para que não amoleça.
Sirva logo com arroz cozido.
  

Asinhas de Frango com Molho de Peixe

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                      Há mais vida para além dos blogs de comidas e tive por isso, há muito, de fazer uma opção difícil entre três caminhos possíveis: ou cuidava do meu próprio blog, ou descurava o meu blog e dava largas à vontade de estar a par do que se ia fazendo na multidão de blogs de qualidade que existem, cá e por esse mundo fora, ou fazia as duas coisas e desistia de tudo o que existe para além disto, a vida não-virtual!
Claro que quem me segue e todos os que há muito me relegaram para a categoria de insociável ou bicho-do-mato virtual, sabem qual foi a minha escolha e não estou arrependido de tê-la feito, apesar de me roer sempre um pouco a sensação de que estou a passar ao lado de tantas coisas boas que dia a dia por aí se publicam. Precisaria, isso sim, de mais umas quantas vidas para conseguir lê-los e de muitas mais para prová-los!
Mesmo assim, vou espreitando quando posso, aqui e ali, e foi numa dessas incursões esparsas que deparei com a musa que inspirou esta receita que hoje vos deixo, lá para os idos de Junho e pela mão do J.P.Diniz no seu incontornável e indispensável blog  Ardeu a Padaria.
Claro que estas asinhas são muito diferentes das dele, que já eram diferentes das que o inspiraram do Rasa Malaysia, mas é isso exactamente que eu procuro numa receita: pistas para cozinhar a minha comida, não a do autor da receita. Eu fico satisfeito quando alguém me diz que seguiu à risca uma receita minha e que resultou muito bem, mas mesmo contente, fico quando me dizem que a alteraram ou usaram como inspiração para uma nova, feita pelos seus processos e de acordo com o seu gosto. 
Isso é cozinhar!

Ingredientes:

Asas de frango
Hortelã
Piri-piri
Pimenta preta
Açúcar mascavado
Molho de peixe “Nuoc Mam
Ovo
Pão ralado

Preparação:

Separe a asa nas suas três partes e rejeite a última.
Coza em água, sem sal e com hortelã, durante cerca de quinze minutos e em lume baixo, estes segmentos de asa, 
escorra-os e reserve-os.  Leve de novo o caldo ao lume, sem a gordura que se formou na cozedura e reduza-o até ter o volume de cerca de uma chávena de café. Reserve também.
Bata um ovo com uma colher de sopa de molho de peixe tailandês “Nuoc Mam”, passe por este ovo cada pedaço de asa e depois por pão ralado e repita a operação de modo a ficarem duplamente panados.
Faça o molho, dissolvendo numa chávena de café de caldo reduzido uma colher de sobremesa de açúcar mascavado, pimenta preta e piri-piri a gosto e junte mais uma chávena de café de molho de peixe “Nuoc Mam”. 
Finalize com hortelã fresca picada.
Frite os panados em óleo até estarem dourados, escorra em papel e sirva-os quentes, 
regados com o molho ou, como eu prefiro, molhando cada pedaço numa tacinha com o molho, à medida que se vai comendo esta delícia.


Ovos Marmoreados

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                     Se quem ama o vinho é um enófilo e quem o estuda um enólogo, então alguém que, como eu, ama e aprofunda o seu conhecimento sobre o chá, seria um “teófilo” ou um “teólogo”, mas esses já existem e são outras coisas…
Vem isto a propósito do tema “chá” desta 109ª Trilogia com a Anae o Amândio e de eu sempre ter mantido essa minha predilecção e gosto pelo mundo da Camelia Sinensis afastada das lides culinárias do Outras Comidas, reservando-a como assunto privado.
Na verdade, conhecimento não é gosto e tanto pode apreciar chá o que sabe identificar, pelo gosto, a que altitude cresceu determinado Darjeeling do Nepal, como aquele que diariamente saboreia ao pequeno-almoço o seu Tetley de saqueta com a torrada e, para não cair (e cairia forçosamente) naquilo que critico a outros que, sabendo que estão a falar para toda a gente, fazem-no em termos que só uma minoria entende, decidi apresentar aqui o chá de um modo bem afastado das técnicas complicadas do chá-bebida e que não lhe aproveita apenas os delicadíssimos sabores e aromas únicos, mas também um aspecto cromático em que a cor do chá vai dar a simples ovos cozidos uma apresentação sofisticada, original e única: os ovos marmoreados, da cozinha chinesa mais requintada.

Ingredientes:

Ovos
Sal
Chá
Molho de soja escuro

Preparação:

Coza ovos em água e sal, durante o tempo necessário a que fiquem duros, o que para o caso de ovos de galinha à temperatura ambiente é de cerca de dez minutos de fervura. Mais tempo torna a superfície da gema esverdeada e pouco atraente. Reserve.
Faça um chá forte, ou vários se quiser apresentar tons diferentes entre os ovos. Escolhas acertadas serão chás baratos de supermercado, um preto Tetley, Lipton ou Ceylon Assam e um verde comprimido como o chinês Tuochá.
Bata então com cuidado na casca de cada ovo cozido, de modo a que fique apenas estalada
e cujo craquelé irá imprimir a clara cozida do ovo.
Junte umas gotas de molho de soja escuro ao chá, para intensificar o efeito e deixe os ovos imersos durante seis a oito horas.
Depois é só descascar e dispô-los numa taça
para obter este magnífico e original efeito visual semelhante a ovos de mármore.
O chá  transmite delicados aromas e sabor ao ovo, que poderá consumir como lhe aprouver.


Nota: Os ovos ideais para marmorear são os mais pequenos, se possível os de garnizé, e resultam também muito bem os ovos de pata. Com ovos de codorniz, a casca é muito difícil de rachar no ponto certo e, muitas vezes, o efeito perde-se.

Fazer Chouriços (e defumá-los em Lisboa!)

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                     Fazer chouriço é, talvez, a maneira mais saborosa de conservar carne, secando-a parcialmente e transformando o produto final num monumento ao paladar, cada vez mais raro e fugidio, agora que os produtos feitos com os métodos e vagares ancestrais deram definitivamente lugar a versões mais ou menos industrializadas e à introdução de substâncias químicas permitidas por lei e que de tão banalizadas já se passou a nem reparar nelas, mesmo quando, estranhamente, provêm de fumeiros DOP e certificados como “caseiros”.

Hoje, há coisas que, se as queremos e não temos acesso a quem ainda as vai preservando, temos de fazê-las e chouriço genuíno é uma delas.
Com a chegada do tempo frio, chegou a altura dos enchidos, que fiz para todo o ano**, até ao próximo Inverno. Desta vez, ao contrário do que aqui vos contei no que se refere a truques citadinos para fazê-los sem fumeiro, decidi avançar para a alegria do bom chouriço defumado a azinho, mesmo aqui no meio da cidade. Aperfeiçoei a técnica, não só do enchido em si, como de conseguir um fumeiro eficaz (e não ser expulso do bairro) e os resultados são os que se vêem.

Ingredientes:

Carne de porco (perna, ou lombo, ou entremeada)
Toucinho (não se usa no chouriço de entremeada)
Sal
Pimenta preta
Massa de pimentão
Alhos
Água (ou vinho branco)
Couratos (para a cola)
Tripa fina de porco
Carvão de sobro ou azinho
Madeira seca de azinho

Preparação:

Corte em pedaços as carnes, sendo que o toucinho deve entrar na proporção de um terço ou metade do peso da carne magra, consoante se queira menos ou mais gordo o chouriço. Tempere com sal, alhos esmagados, pimenta e massa de pimentão (ou pimentão em pó). Junte água ou vinho branco de modo a ficar molhado mas não a escorrer, mexa bem e deixe por três dias.
Faça cola de carne, fervendo couratos (os que tirou do toucinho) em água, durante duas horas e passando os couratos e água de cozedura que os cubra, com a varinha. Forma-se um líquido cremoso branco, com a consistência e aspecto de iogurte batido, que é a cola de carne e que ao arrefecer se transforma numa substância dura, parecida com borracha e que servirá para ligar os elementos dentro do enchido. Reserve.
Lave bem a tripa dos dois lados, esfregando-as com sal grosso e vinagre e passando-as por água corrente.
Derreta num pouco de água fervente, cerca de uma “noz” de cola de carne por cada quilo de massa de chouriço, vaze este líquido espesso e leitoso na massa
e mexa tudo bem, para envolver.
Com o auxílio de um funil de enchidos, faça chouriços de tamanho a seu gosto,
picando a pele de modo a sair todo o ar que lá pudesse ter ficado aprisionado, ate dois a dois se estiver a fazê-los simples ou um a um se estiver a fazê-los de argola.
Feitos os chouriços, chega então a hora de defumá-los e é aqui que entra a inovação, já que não é viável a manutenção em ambiente citadino de um lume de fumo em permanência, por questões de vizinhança. Parto do princípio que, se vive no campo e até tem um fumeiro, é porque sabe perfeitamente fazer chouriços e não estará a ler este post.
Aquilo que agora descobri é que são diminutos os períodos em que é necessário produzir o fumo e que, em todas as situações em que seja viável fazer-se um lume de fogareiro a carvão ou barbecuede quintal ou até de varanda, também poderá sem problema fazer fumeiro.
Acenda um lume de carvão de boa qualidade (sobro) e, quando as brasas estiverem bem estabelecidas, coloque sobre elas a uma distância de 80-100cm, os chouriços dispostos em paus (como cabos de vassoura).
De tempos a tempos, digamos duas a três vezes por dia, coloque então directamente sobre o braseiro uns pedacinhos de lenha seca de azinho, do tamanho de um dedo, não mais, que serão o suficiente para a produção, durante uns minutos apenas, de um fumo ténue mas poderoso que deixará os seus chouriços perfeitamente defumados enquanto o ar morno e sem cheiro do carvão os vai secando.
Se puder dar-lhes atenção ao longo do dia, terá os seus chouriços prontos em 4-5 dias  e difícil mesmo será fazer esta delícia durar* até ao próximo Inverno.

Notas: * Faço a conservação dos enchidos por congelação, embrulhados individualmente para evitar que ressequem.

 **Claro que são só intenções: Dois chouriços de argola por mês = vinte e quatro chouriços, mas com os “pedidos” e “encomendas” entretanto aparecidos, ou muito me engano ou terei de fazer nova dose lá para… Janeiro!

Miga da Lousã

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                        Existe à volta daquilo a que geralmente se convenciona chamar Cozinha Tradicional Portuguesa uma enorme quantidade de mitos e mentiras, umas piedosas, outras simplesmente ignorantes e finalmente, outras ainda simplesmente oportunistas. Hoje, perdeu-se praticamente o contacto com aquilo que foi a nossa cozinha ancestral, e quando digo ancestral estou a falar dos séculos XIX e primeira metade do século XX, já que para trás será muito difícil encontrar fundamentos para o que viria a ser a cozinha popular, rural e citadina, que imediatamente antecedeu a do nosso tempo.
As recolhas de Olleboma, Maria de Lourdes Modesto e Saramago, reflectem precisamente parte dessa cozinha, embora só lateralmente aflorem aquilo que foi a verdadeira cozinha popular, feita de fomes, de carências de toda a ordem, de subsistência quase vegetariana à força da míngua de proteínas animais, só presentes em dias de festa e que, mercê dessas vicissitudes, se tornou prodigiosamente criativa.
A par da doçaria e dos grandes pratos de carne das cozinhas ricas e de festa, que hoje os chefes enfeitam e modificam aqui e ali para mostrarem serviço criativo, houve outros, aprimorados pela sabedoria de quem tinha de se haver com menos que muito pouco, dos quais muitos se perderam, alterados pela ânsia do pobre que já o não é, esquecer o que já passou. São as açordas que foram de pão, alho e alguma erva cheirosa e hoje já não se encontram que não sejam feitas nalgum caldo rico com bacalhau, são os cozidos que passaram de cozinhados temperados com algum pedaço de toucinho e enchido, a autênticos mostruários de açougue… não há nada que o antigo pobre mais deteste que aquilo que lhe lembre que já foi pobre e isso afectou irremediavelmente as recolhas tardias de Modesto e Saramago, sendo que Olleboma, por questões culturais, nunca chegou realmente a ter contacto com a cozinha popular pobre.
A Miga da Lousã é um desses pratos pobres que chegou até nós pela mão de Maria de Lourdes Modesto, embora muitos, acabrunhados pela ausência de carne a tenham relegado para a categoria de entrada pitoresca ou até de acompanhamento, coisa que nunca foi.
Para esta 110ª Trilogia com a Anae o Amândio, cujo tema é “grelos”, não havia certamente melhor do que este antigo prato beirão, que ainda por cima é um prodígio de sabor.
Ingredientes:

Feijão branco bem cozido
Broa de milho
Grelos cozidos
Alhos
Azeite

Preparação:

Coza o feijão branco de modo a que fique muito cozido e meio desfeito.
Coza os grelos.
Esfarele a broa de modo a ficar em pedaços mas não em migalhas.
Comece então a dispor estes ingredientes por camadas, começando por uma de feijão, que deve ir bem molhado, a escorrer;
depois uma camada de broa e por fim os grelos cozidos.
Repete-se nesta ordem de modo a que a última camada seja de grelos.
Leva-se azeite ao lume com os alhos e deita-se a ferver sobre a miga.
Sirva logo, assim ou acompanhado de chouriço ou farinheira, assados.

Cuscos de Sustância

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                 Tanto eu como a Ana ou o Amândio, provavelmente concordaremos que não poderia existir um tema mais fácil e universal que o desta 111ª Trilogia: os cereais.
Alimento maravilhoso que, pelas suas qualidades nutritivas e possibilidade de armazenamento e conservação ao longo de anos acabou por condicionar e mesmo moldar a história da nossa civilização, que bem pode ser descrita como a história estratégica da utilização dos cereais.
Esta utilização massiva e que não deixou ainda de crescer, torna os cereais omnipresentes, desde os consumidos directamente, os transformados e até os que, não pertencendo ao grupo, como as carnes, os lacticínios e até os peixes de aquacultura são na verdade criados a partir de cereais.
Com um leque assim vasto, difícil mesmo foi a escolha de um digno representante de tão nobre grupo de alimentos, isto até recordar uma crónica de Virgílio Gomes onde há quase dois anos apresentou essa raridade transmontana, os cuscos, um alimento verdadeiramente em vias de extinção apesar de mais velho que a nacionalidade, supõe-se que introduzido pelos mouros e que terá sobrevivido na região de Bragança devido a permitir a utilização do trigo de Barbela, uma variedade local dura e muito rústica, com  fraca capacidade para panificar.
A partir daqui foi a pura emoção da cozinha, uma alegria que só se sente quando a prática nos leva a redescobrir gestos milenares e a adivinhar o que se poderá ter feito em mil anos sem registo nas cozinhas graníticas das Terras Frias do Nordeste.
Foi assim a aventura que levou a estes Cuscos de Sustância:

Ingredientes:

Farinha de trigo (tipo 650, ou 65)
Água
Sal
Entrecosto
Entremeada
Couves galegas tenras
Chouriços e farinheira

Preparação:

Dissolva sal em água morna como faria para temperar um arroz.
Espalhe um quilo de farinha 65 (ou de trigo Barbela, se o tiver) num tabuleiro, faça uma “vassourinha” com palhas ou o que arranjar que faça esse efeito (eu usei folhas secas de erva Príncipe, que, na cidade, foi o mais parecido com palhas que consegui) e use-a para aspergir a farinha com pequenas gotículas de água.
Os movimentos devem ser enérgicos para que as gotas saiam dispersas e não se agrupem em gotas grandes.
Quando vir a superfície da farinha bem salpicada de gotas, 
agite o tabuleiro de modo a que estas gotas fiquem englobadas na farinha 
e repita por diversas vezes a operação.
Ao peneirar esta farinha*, irá ver na peneira pequenas esferas brancas, os cuscos, 
que deverá espalhar  numa camada mito fina para que não adiram entre si e pôr a secar ao sol. Como tem estado tempo de chuva nestes dias, utilizei o forno a 70ºC ventilados e porta entreaberta para fazer a secagem.
Se pretender usar os cuscos de imediato, eles poderão ser cozidos assim. No entanto, estes cuscos eram tradicionalmente pré-cozidos em vapor, secos de novo e ficavam assim prontos a guardar durante longos períodos, como uma massa seca. Já que estava na descoberta da tradição, decidi fazer o processo completo.
 Com o auxílio de um tabuleiro perfurado adaptado a uma panela 
e vedado com massa de farinha e água, cozi os cuscos previamente secos, em vapor até estarem brandos 
e voltei depois a secá-los no forno a 70ºC.
Ficaram assim prontos estes incríveis percursores artesanais de todas as massas. 
Tudo o que se seguiu até este prato memorável tem, face ao fabrico dos cuscos, um interesse relativo e não me vou alongar muito mais.
Entremeada e entrecosto com algumas horas de sal, longamente cozidos com um chouriço de carne e depois com farinheira da Guarda e chouriço fresco de sangue, forneceram o caldo rico onde os cuscos cozeram cerca de cinco minutos, sem ferver, 
num pouco menos que o dobro do volume de cuscos.
Couves galegas tenras, cozidas também no caldo das carnes, 
compuseram este prato que eu não sei se alguma vez foi feito, mas que é tão, tão bom, que vale mesmo a pena.
Nota:  * Com peneiras, ou simples passadores de cozinha, de diferentes tramas, pode-se separar os cuscos por calibre, usando os mais finos para sopas e doces e os mais grossos para acompanhamento. Aqui, optei por separar apenas os de grão muito fino, que serão em breve uma sobremesa doce, e cozinhei os de grão médio e grande, juntos.

Bolo-Rei

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               Quem me conhece sabe bem que a par da evidente irreverência com que utilizo a tradição para construir a minha cozinha, num desrespeito permanente por cânones e receitas que raia por vezes a iconoclastia, também sou inflexível no respeito absoluto pelos direitos daqueles pratos que ganharam um nome, uma regra e uma fama que a esse nome pertence.
É esta significação, esta correspondência quase sagrada entre o nome e o seu significado, que fazem do Bacalhau à Brás feito com batatas de pacote ou da Carne às Mercês servida com batatas fritas, umas aberrações inqualificáveis, não tanto a variação do prato, sempre legítima, mas a usurpação do nome.
Com o Bolo-Rei, entramos decididamente no reino da pouca-vergonha: surgem agora por todo o lado as mais inenarráveis “criações”, todas com o real nome acoplado, ele é o “desmanchado”, o “alongado”, com chocolate, com gila, ontem vi o “conventual”, uma espécie de bolo-rei com recheio igual ao do Pão de Rala… lamentável a falta de escrúpulos deste marketing espertalhão, todos a quererem ganhar mais uns trocos colando qualquer coisa a reboque do nome tradicional.

Eu faço o meu bolo-rei, como aliás tudo o resto para esta quadra, pois há muito que entendo o Natal como uma liturgia de afectos à volta da família, da gastronomia e da cozinha. Assim:

Ingredientes (para 2 bolos grandes):

1,2 Kg de farinha 55
40g de fermento fresco
220g de manteiga
1 dl de leite
1,5dl de Vinho do Porto
2 colheres de sopa de brandy ou Cognac
300g de açúcar amarelo
250g de frutos cristalizados em cubinhos
100g de frutos cristalizados inteiros, para decorar
200g de frutos secos
5 ovos
Raspas de 1 laranja e 1 limão
1 colher de chá de sal
2 gemas
Geleia de marmelo

Preparação:

Macere por algumas horas as frutas cristalizadas em vinho do Porto.
Dissolva o fermento no leite morno junte o sal e amasse com uma chávena de farinha. Deixe levedar por 15 minutos, durante os quais irá bater a manteiga amolecida com o açúcar, depois juntar um a um os ovos, mexendo sempre para incorporar, as raspas e o cognac. Junte por fim a massa levedada e o resto da farinha. Amasse até obter uma massa muito firme e incorpore a fruta cristalizada escorrida e os frutos secos.
Divida a massa pelo número de bolos que pretender, enfarinhe e deixe a levedar até dobrar de volume, o que levará cerca de 5-6 horas.
Forme os bolos, fazendo um buraco a meio da bola ou alongando-a e unindo as pontas humedecidas para colarem melhor, 
coloque no tabuleiro em que irão ao forno, introduza brinde e fava se quiser, decore com frutos secos e cristalizados, coloque no buraco uma lata ou frasco, de modo a que o buraco não feche e deixe a levedar de novo mais duas horas ou até dobrar o volume.
Pincele com as gemas batidas e leve a forno médio (170-180ºC) durante cerca de 40 minutos.
Pincele logo o bolo, enquanto muito quente, com geleia de marmelo diluída em água, de modo a que fique brilhante e acabe a decoração com açúcar em pó.
Além de excelente, este bolo-rei que fazemos exactamente como queremos e gostamos, fica por um preço normal para um bolo, uma ínfima parte das exorbitâncias que nos cobram por qualquer bolo minimamente aceitável.

A todos os leitores do Outras Comidas, desejo um Natal à medida dos vossos desejos, com mais ou menos religião, com mais ou menos prendas e doces, mas em que não faltem os afectos, boa vontade e, naturalmente, a vossa Cozinha. 

Amarelo de Bacalhau

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                  Cozinha de Autor é uma expressão cada vez mais em moda e que designa uma nebulosa vaga que abarca muito experimentalismo sério, muita criatividade e inovação, também muito espectáculo gratuito e feira de vaidades, num rodopio de vulgaridade que não merece que nos detenhamos em tais “autores” e fica por aqui o assunto, que estamos em tempo de Natal.
Quanto às verdadeiras obras de autor, tanto as que nascem nas nossas cozinhas anónimas sempre que criamos ou ensaiamos um novo sabor, um novo prato, como naquelas onde profissionais inventam o futuro da cozinha, são exercícios artísticos admiráveis que, como toda a arte, é singular e pessoal, sendo a sua reprodução por outrem que não o artista a sua própria negação.
Isto coloca uma séria dificuldade para esta 112ª Trilogia com a Anae o Amândio, sob o tema “Cozinha de Autor”, já que, do mesmo modo que, se eu desenhasse, não faria um desenho que fosse “parecido” com um Picasso, também aqui não irei imitar algo que alguém inventou e cuja plenitude artística só é possível pela sua mão, na sua cozinha e pela sua arte.
Restava-me aparentemente o recurso a algo de que eu próprio fosse autor, quando me ocorreu um prato de que sou herdeiro, criado pela minha avó Amélia e transmitido apenas pela via familiar, algo que começou por ser uma adaptação às idiossincrasias alimentares do meu pai, que não suportava cebola nem alho, e se tornou num prato minimal, estranho e único: O Amarelo de Bacalhau da minha avó Amélia da Cruz Pontes ( 1891-1964).  

Ingredientes:

Batatas cozidas
Bacalhau cozido
Azeite
Pimenta
Louro
Ovos

Preparação:

Fazer um amarelo de bacalhau é um exercício de paciência, totalmente inadequado a uma cozinha apressada. Apesar da sua simplicidade, terá de contar, para além dos ingredientes minimais, com um mínimo de uma hora só para a fase de frigideira. Pode fazer o amarelo numa frigideira de ferro bem queimada, como esta que eu usei e que já era da minha avó, terá cerca de um século,
do tempo da cozinha feita no carvão, e sempre foi a frigideira reservada para o “amarelo”, ou usar uma frigideira com revestimento anti-aderente  usando neste caso uma espátula de madeira com gume.
Misture na frigideira sobras de bacalhau e de batatas, cozidos, tempere apenas com pimenta moída e folhas de louro, 
junte azeite e leve ao lume, cortando continuamente o bacalhau e as batatas com a parte não cortante de uma faca ou a parte cortante de uma espátula, de modo a que vá fritando em conjunto, pedaços cada vez mais pequenos mas evitando sempre o esmagar.
Ao fim de cerca de uma hora, já quase não se diferencia o bacalhau da batata e o conjunto deve ter uma bela cor levemente acastanhada e estar translúcido.
Adicione então ovos batidos e temperados com um pouco de sal, 
deixe fritar completamente enquanto vai partindo os blocos aglutinados pelo ovo até terem um tamanho que permita comer sem partir.
Sirva o amarelo de bacalhau como entrada ou como prato principal, acompanhado de azeitonas e salada de alface temperada com azeite e vinagre e servida com propositado “descuido” de modo a que se dê, no prato, uma certa contaminação que resulta deliciosa.


Vol-au-Vent de Camarão e Coentros

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                   É muito raro que compre massa folhada, aliás como todas as outras massas, excepto a filo. Acontece-me às vezes no Verão, quando a que fiz e congelei durante o tempo frio se acaba, mas em geral gosto de comer aquilo que faço e com os ingredientes que escolho. 
Nas massas folhadas, em que a quantidade de gordura é muito grande, recuso por opção alimentar as margarinas hidrogenadas, o que abrange todas as massas industriais e faço massa folhada com manteiga que, além de não ter o efeito, a bem dizer venenoso das margarinas, ainda faz um folhado delicioso.
Em tempo frio, uma massa folhada de manteiga é algo que se faz em minutos, sem tempos de espera para arrefecimentos. Usei o método “fácil”, desta vez com ghee em vez de manteiga e quatro voltas e meia, sendo assim a 3ª versão de massa folhada, no blog.
Sendo “massa folhada” o tema desta 113ª Trilogia com a Ana e o Amândio, a inaugurar o ano aziago de 2013, não por causa do “13” mas pelo resto que se sabe, nada melhor que essa preparação levíssima e estaladiça a que chamamos vol-au-vent, aqui recheada com uns camarões em molho cremoso de natas e coentros, tudo a resultar numa simbiose celestial.

Ingredientes:

Recheio -

Camarões congelados, crus
Leite
Natas 35% m.g.
Amido de milho
Alho
Noz moscada
Sal e pimenta

Massa folhada –

300g de farinha super-fina (sem fermento)
250g de manteiga sem sal ou 210g de ghee
1 ovo
Água gelada q.b.
Ovo batido para finalizar o folhado

Preparação:

Escalde os camarões em leite temperado com sal, retire-os e reserve o leite e os camarões, depois de descascá-los.
Pique muito fino o dente de alho e aqueça-o com pimenta e noz moscada moídas, no ghee, adicione uma colher de chá de amido (Maizena) e depois o leite onde escaldou o camarão. Quando engrossar, junte cerca de 150g de natas, deixe atingir a espessura desejada antes de rectificar sal e juntar os camarões.

Faça ghee como aqui se disse ou use manteiga sem sal, ambos bem frios.
Misture rapidamente a farinha com o ovo e a água, ambos gelados, deixe descansar por quinze minutos  e abra com rolo fazendo um rectângulo.
Distribua metade do ghee na área central 
e dobre um dos terços livres sobre ela. Ponha então o restante ghee
volte sobre ele a outra aba de massa, vire para si a parte aberta 
e volte a abrir com o rolo, fazendo um novo rectângulo e ficando assim completa a volta nº1.
Repita o processo mais quatro vezes mas, na 5ª volta, em vez de dobrar em três partes, faça-o apenas ao meio. Volte a abrir com o rolo, apare a placa e está pronta a massa folhada.

Corte círculos de massa grossa e, com o auxílio de um aro mais pequeno, vaze um círculo mais pequeno e concêntrico, deixando assim uma coroa circular.
Abra o círculo de massa pequena até ficar bem fina, corte de novo com o aro maior, pincele de ovo diluído e cole a coroa circular.
Leve ao forno em tabuleiro untado durante cerca de 20 minutos a 200ºC no forno de lastro ou a 180ºC em forno ventilado.
Deixe arrefecer por completo, retire algum excesso de massa que se tenha formado na cavidade 
e encha com o creme de camarão.
Sirva os vol-au-vent como entrada, acompanhados ou não de uma salada verde e de um vinho branco, fresco.
   

Esparregado de Acelga Bravia

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             Quando em 2008 vos falei aquida acelga e dos seus usos, mencionei a existência da variedade bravia*, mas sem grande detença no assunto, já que ali se tratava da acelga cultivada.
Trata-se na verdade da mesma planta (Beta vulgaris, var. cicla), apesar das enormes diferenças morfológicas que a cultivada tomou ao longo de séculos de domesticação, desenvolvendo os soberbos talos que a caracterizam.
Se é verdade que a acelga cultivada desenvolveu o tais saborosos talos, não é menos verdade que a planta-mãe, a acelga bravia, conservou um sabor poderoso e único e, em Invernos como este, bem húmidos, aí estão por todo o lado com o seu ar de erva daninha, a pedir para ser colhida, grátis e a oferecer possibilidades de uso sobreponíveis às do espinafre.
A acelga brava tem este aspecto bastante característico, 
apresentando, no entanto, algumas variações conforme a idade da planta, 
sendo a folha mais larga na planta jovem e mais alongada na planta adulta. 
Também com o tempo se vão acentuando as características manchas vermelhas no caule, 
outra forma de não falhar a identificação.
Quando colher acelgas, faça-o cortando folhas e deixando as mais jovens do centro, de modo a que a planta continue viva e a crescer. Com estas folhas poderá fazer tudo o que se faz com o espinafre, desde sopas, estufados, recheios, tartes, quiches e, claro, o esparregado, que a acelga faz de maneira superior.

Ingredientes:

Folhas de acelga brava
Azeite
Alhos
Sal e pimenta
Pão ralado
Vinagre ou sumo de limão

Preparação:

Lave as folhas e escalde-as em recipiente aberto se quiser conservar o tom verde intenso. Escorra por uma hora.
Passe as folhas cozidas pela máquina ou pique-as à faca. Reserve.
Frite os alhos laminados em azeite, sem deixar alourar, junte a acelga desfeita e tempere com sal e pimenta. Acidifique com vinagre ou sumio de limão e seque o esparregado até à consistência que preferir através de pão ralado de tosta clara.
Aqui, a acompanhar secretos grelhados de porco preto e batata doce frita. 

Nota: * A Natureza brinda-nos com uma enorme quantidade de plantas bravias, muitas vezes consideradas daninhas mas que, além de comestíveis, apresentam qualidades gastronómicas de excelência. Infelizmente, são cada vez mais raras as pessoas que ainda conservam essa preciosa informação e, mais raras ainda, as que se dispõem à prática efectiva da colheita.
Além das acelgas bravias de que hoje falo e cuja melhor época para apanha começa precisamente agora, lembro-me dos catacuzes, espargos, beldroegas, cardos, urtigas, cogumelos silvestres (cuidado! Aqui, o conhecimento é indispensável), algas, amoras de silva, orégãos, camomila, mostarda, serralhas, azedas, para não falar na rúcula, hoje tão em moda mas que ainda há poucos anos era comida para gado.
Irei retomar este tema em breve, com outras espécies. 

Cuscos (transmontanos) Doces

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                     Este doce de colher delicioso, guarda em si um pouco do arroz doce, da aletria ou da tapioca doce cremosa sem, no entanto, ser qualquer deles.
É feito com cuscos caseiros, de que vos falei aqui, os de grão mais fino e aos quais, na falta absoluta de registos credíveis de uma receita tradicional (há apenas menções), apliquei o método popular de feitura deste tipo de doces, a cozedura em água e leite, depois o açúcar, por fim a gema de ovo e tudo aromatizado com limão e canela.
O resultado superou todas as expectativas, a aprovação foi unânime entre quem provou e penso mesmo que, da próxima vez que fizer cuscos, irei procurar que os grãos saiam bem finos para repetir estes Cuscos Doces.

Ingredientes:

1 medida de cuscos caseiros, finos
2 medidas de água
1 medida de leite condensado
Vidrado da casca de limão
Gemas de ovo
Canela em pó para polvilhar

Preparação:

Prepare os cuscos transmontanos como aqui se disse e utilize os mais finos.
Coza os cuscos em água com a casca de limão, até eles ficarem translúcidos e bem cozidos, 
adicione então o leite condensado (ou coza em partes iguais de leite e água e adicione no fim açúcar) e deixe cozer mais um pouco.
Junte por fim  gemas de ovo, previamente misturadas num pouco do doce, leve de novo ao lume para cozer, mexendo sempre e sirva em travessa ou doses individuais. Deixe amornar e polvilhe com canela em pó.
Nota: Na falta de cuscos, o mais parecido em matéria de textura do doce será a tapioca granulada fina, embora seja um preparado a partir de fécula de mandioca, mais gomosa e de sabor muito diferente dos cuscos de farinha de trigo.

Pargo em Pé com Alecrim

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                  Tal como noutros aspectos da nossa vida, também o peixe assado no forno levanta em geral uma premente questão de equidade, esse termo tão em moda para nossa desgraça, ou a falta dela, para falar com mais propriedade.
O problema é que tendo a enorme maioria dos peixes uma simetria longitudinal perfeita, isto é, são idênticos os seus dois lados, esquerdo e direito, o certo é que a técnica de assá-lo deitado sobre um dos seus lados, provoca entre eles uma enorme disparidade de resultados, com a parte superior, a que ficou fora do molho, dourada e com a pele estaladiça e apetitosa e, pelo contrário, a que cozeu imersa no líquido está isso mesmo, cozida, a pele mole, pode ter um excelente sabor mas só por espírito de sacrifício ou muito amor é que alguém escolherá a parte mole de um peixe assado.
Com este método, que hoje usei com um pargo legítimo de 800g, a quantidade ideal para duas pessoas, ficam os dois felizes e é por isso indicada para esta 114ª Trilogia com a Anae o Amândio, com tema “alecrim”.
Naturalmente, esta técnica não se aplica aos peixes chatos, linguados, pregados, solhas, etc. por absoluta impossibilidade geométrica.

Ingredientes:

1 Pargo (ou outro peixe)
Sal
Pimenta
Colorau
Alecrim
Azeite
Cebola
Alhos
Batatinhas de assar

Preparação:

Peça para lhe amanharem o peixe, ao comprar. Isto quer dizer que o vendedor o escamará, irá aparar as diversas barbatanas e retirar-lhe guelras e vísceras.
À chegada a casa o seu peixe apresentará um golpe desde a base da entrecha até ao orifício anal, golpe esse que serviu para retirar tripas, fígado, etc.
A sua parte começa agora, já que um peixe assim amanhado, se pode chamar mal-amanhado.
Com uma tesoura, prolongue o golpe na direcção da cabeça, até ao bico da entrecha, deixando-a completamente aberta.
Verifique que, por mais que lave, continua a existir uma massa de sangue escuro ao longo da coluna vertebral (espinha).
É o baço, tem sempre mau sabor e pior cheiro e é o responsável por tanta gente odiar a parte da barriga ou “aberta” dos peixes.
Com o auxílio de uma faca pontiaguda, rebente a membrana que cobre essa massa sanguínea
e remova-a esfregando-a com um pincel duro sob a água corrente.
Afaste então as duas partes da entrecha, salgue, moa pimenta preta para o interior e introduza na cavidade alecrim fresco.
Coloque o peixe em “pé”, apoiado na entrecha aberta, que fica a fazer as vezes de braços, sobre o que for a sua base preferida para assar peixe, neste meu caso sobre uma camada de rodelas de cebola e de alhos
e ladeado por batatinhas previamente entaladas por semi-cozedura, fritura ou micro-ondas.
Salpique com colorau, sal fino, pimenta, alecrim e passe um fio de azeite e um copo de vinho branco. Leve ao forno bem quente (190ºC) por cerca de 20-25 minutos ou até as batatinhas estarem douradas e o peixe assado por igual dos dois lados!~

Alheiras de Bacalhau

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                  Começou em 2009 por uma brincadeira, numa empresa de Mirandela que se dedicava (e dedica) às tradicionais alheiras DOP daquela região e o certo é que o sabor conquistou pessoas, fez mercado e hoje, as alheiras de bacalhau ganharam individualidade gastronómica e um lugar crescente nas nossas mesas.
Isto tem incomodado alguns puristas da tradição museográfica, a mim não: a tradição que conta para mim é a viva e em permanente mutação, a que as pessoas hoje vão mantendo e reconstruindo no dia a dia das cozinhas; sempre foi assim, apesar dos gritos amargurados dos que, por algum estranho impulso, acham que tradição é qualquer coisa que parou num tempo que eles escolhem, 30 anos, 40 anos, 80 anos, consoante acham que tradição é a culinária da sua própria infância, a recolhida por Maria de Lourdes Modesto ou por Olleboma, sem perceberem que um prato tradicional não é o mesmo que uma reconstituição histórica e que sempre foi através da inovação e da criatividade que se passou da paupérrima cozinha dos séculos XVIII e XIX para o que é hoje a nossa tradição gastronómica e culinária.
Nas alheiras de bacalhau, a única coisa que me incomoda um pouco é precisamente o nome “alheira”. Sou muito cioso do significado de cada palavra e gostaria muito mais que estas alheiras se tivessem chamado “bacalheiras” ou coisa que o valesse. Mas o certo é que se chamam já assim, que as próprias alheiras actuais pouco ou nada têm a ver com as originais, sem porco, com que as judiarias tentavam enganar Inquisições e eu não tenho jeito nem pachorra para lutas com moinhos de vento.

Com os restos menos nobres do bacalhau natalício, meti mãos à obra, já que, para mim, há aspectos nas alheiras de bacalhau que bem podem ainda melhorar, talvez fruto da inexperiência de magarefes e salsicheiros quando o assunto passa a peixe. Fiz assim:

Ingredientes (para 3kg de alheiras):

1,5 kg de bacalhau demolhado
1 kg de pão de trigo
2 colheres de sopa de pimentão doce
3 colheres de sopa de massa de pimentão
12 dentes de alho
2 dl de azeite
Sal, piri-piri e pimenta preta, q.b.
Tripa fresca, de porco

Preparação:

Demolhe o bacalhau como de costume, escalde-o e retire peles e espinhas. 
Reserve o bacalhau e volte a ferver na mesma água as peles, espinhas e uma cebola , em lume mínimo e por cerca de uma hora. Passe pelo chinês e reserve o caldo.
Parta o pão, que deve ser de trigo e fino, para um alguidar, escalde-o com o caldo bem quente e a que juntou previamente os dentes de alho esmagados e salsa, se a quiser usar.
Junte os pimentões, o piri-piri, a pimenta e o azeite e mexa bem de modo a ficar com uma massa com a consistência de migas.
Desfaça o bacalhau num almofariz ou, mais prático, envolvendo-o num pano e sovando a boneca de modo a reduzi-lo a fios. 
Este efeito multiplicador do sabor do bacalhau e a obtenção de uma textura única, que se obtém com este desfiar, será o que tornará as suas alheiras de bacalhau definitivamente superiores a qualquer uma de compra, com o bacalhau cortado à máquina.
Incorpore o bacalhau em fios na massa, mexa bem, prove para saber que sal será (ou não) necessário, rectifique todos os temperos e faça as alheiras ensacando esta massa na tripa, preparada como se disse aqui, com auxílio de um funil, 
picando a tripa para se assegurar que extrai da alheira quaisquer bolha de ar.
Faça um fumeiro como sugeri aquise, 
como eu, não dispuser de um a sério e defume as suas alheiras por quatro ou cinco dias, antes de consumir.

Fritas, assadas ou grelhadas, como petisco, entrada ou refeição, as alheiras de bacalhau feitas em casa apresentam esta estrutura interna única, toda ela entretecida 
de fibras de bacalhau, uma maravilha para o palato.
Para conservação longa, as alheiras são excelentes para congelação. 

Focaccia Toscana

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                           Há sabores que nos marcam para sempre e cuja primeira memória permanece indelével, fresca como se tivesse sido ontem, mesmo quando, como neste caso, já lá vão os anos de metade de uma vida.
Conheci a focaccia na Toscana, essa maravilhosa região de Itália que alberga lugares tão incríveis como Florença, Pisa, Sienna ou Lucca, corria o ano de 1977, de forma totalmente acidental.
O pão toscano tradicional é sem sal; totalmente insonso  e um choque para quem nunca provou. Hoje já há todo o tipo de pão na Toscana e é até difícil encontrar este pão, coisas da globalização, mas naquela altura, se estávamos em terra de pão insonso, era insonso e era o que havia e pronto. Em Roma sê romano, na Toscana sê toscano!
Foi ao tentar explicar ao padeiro, em Lucca, no meu italiano “abissínio” que queria pão com sal, que este me pôs à frente a minha primeira focaccia, um pão espalmado e cheio de covas, ainda quente, com um intenso aroma a azeite e salpicado de sal grosso, uma espécie de pizzade sal. Aconteceu ali amor à primeira vista; depois conheci tantas primas desta focaccia original, com alecrim, com orégãos, com rodelas de cebola ou de batata, com azeitonas ou queijo, mas nenhuma me conquistou com a força da primeira.
Quando há dias o Amândio apresentou na Trilogia de tema "alecrim", uma focacciado dito, despertou essa nostalgia antiga, esse amor por focaccia ao mesmo tempo insonsa e salgada, a Focaccia Toscana.

Ingredientes:

Massa de pão
Azeite
Sal grosso

Preparação:

Prepare uma massa de pão com farinha misturada, metade  55 e metade 650, fermento de padeiro, massa de pão lêveda, água e 75ml de azeite (5 colheres de sopa) por cada quilo de farinha. Deixe levedar até dobrar o volume inicial.
Estenda esta massa, que deve ser um pouco mais mole que a massa para pão, num tabuleiro, deite-lhe um pouco de azeite 
e com as pontas dos dedos vá esticando a massa fazendo-lhe múltiplas covas, sempre com os dedos oleados no azeite.
Salpique com sal grosso e leve a cozer em forno quente mas não máximo (180-200ºC) durante cerca de 10-12 minutos.
Quente ou fria, pode ser comida assim ou a acompanhar tudo aquilo que o pão normalmente acompanha. Com vantagem. 
       Focaccia Toscana                        Focaccia com sal e orégãos


Sacchettini com molho de rúcula

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                   Quem me lê por aqui, regularmente, pode facilmente ficar com a ideia de que a minha cozinha é sempre feita de lentidão, de esperas, de longos apuros e, na verdade, sempre que posso “eternizar” o prazer de cozinhar e gozar depois, no prato, esse ingrediente hoje esquecido e até amaldiçoado, o tempo, claro que o faço.
Mas para mim, como para toda a gente, há mais vida para além da cozinha e muitas vezes não posso mesmo dar-me o luxo do vagar e do planeamento a longo prazo de que tanto gosto. Nesses dias, e porque eu não recorro, nunca, a essa abominação dita “fast food”, há que despachar, deitar mão de qualquer coisa e fazer um prato rápido sem cair na vulgaridade do instantâneo industrial.
É nesses dias em que tudo se resume e apressa que saem noodles no wok, alguma salada caprichosa no tempo quente, ou uma pasta fresca como estes “sacchettini” de trufa e cogumelos 
que tinha há tempos no frigorífico e que, enobrecidos com um molho de rúcula,  fizeram em dez minutos um jantar tardio e reconfortante, mesmo apropriado para ser incluído nesta 115ª Trilogia com a Ana e o Amândio, precisamente com o tema “comida rápida”.

Ingredientes:

1 pacote de massa recheada, fresca
1 molho pequeno de rúcula selvagem
1 raminho de salsa
1 dente de alho
1 noz pequena de manteiga
Raspa de noz moscada
1 colher de chá de farinha
Leite q.b.
Natas de soja (ou de leite, se preferir)
Sal e pimenta

Preparação:

Ponha os sacchettini (ou tortellini,ou ravioli) a cozer em água temperada com sal, 
o que acontece em cerca de 7 minutos.
Derreta uma noz de manteiga, tempere com pimenta e noz moscada e frite nela um alho picado e a farinha, sem a deixar escurecer. Junte leite mexendo sempre de modo  a fazer um creme com a consistência de um bechamel. Duplique o volume do creme adicionando natas de soja (ou de leite, se não se importar com calorias e colesterol), a salsa picada, 
sal e, por fim, um molho de rúcula cortada grosseiramente.
Leve ao lume até começar a borbulhar, mexendo sempre e sirva sobre a massa recheada que ficou entretanto cozida.


Arroz de Feijão

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            É normalmente usado como acompanhamento, quer de peixe e moluscos, quer de carne, mas eu gosto mesmo é da volúpia dele só, sem outros sabores a atrapalhar a sobriedade do feijão e dos fumeiros, tudo a envolver a suavidade do arroz carolino.
Falo, naturalmente, do Arroz de Feijão.
Sempre que cozo um quilo de feijão, que é a dose habitual e que fica depois de cozida, congelada para se usar quando necessário, retiro uma pequena parte e faço um arroz de feijão só para mim, assim simples e com a humidade que mais gosto para este arroz, húmido apenas o suficiente para não ser seco, mas nada dos caldos que agora são moda seja para que arroz for, como se só o malandrinho fosse filho de gente.

Ingredientes:

Arroz carolino
Feijão cozido e seu caldo
Azeite
Cebola, alho, louro
Sal e pimenta
Salsa e rama fresca de alho
Chouriço de carne e presunto ou bacon

Preparação:

Aloure a cebola e o alho, juntamente com uma folha de louro, em azeite.
Junte depois chouriço em rodelas, presunto ou bacon, salsa, folhas verdes de alho e feijão.
Envolva tudo e adicione então uma medida de arroz carolino, 
uma medida de caldo de cozer o feijão e uma medida de água. Mexa, tape e deixe por cerca de 13-14 minutos em lume mínimo.
Sirva logo, enquanto o arroz conserva alguma humidade, mas sem escorrências.


Bolo de Laranja, cenoura e azeite

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                     É raro que apareçam bolos por aqui, apesar de os fazer com alguma frequência. Isto deve-se a que a maioria dos bolos que faço são obra do momento, receitas “a olho” que, ou não saem coisa que valha aqui figurar ou, valendo, foram feitas de impulso e não são portanto repetíveis ou sequer relatáveis por eu não saber as quantidades que usei.
Mas o bolo de hoje saiu bom, muito bom mesmo, a cumprir a sua missão de acompanhar o chá de um Sábado miserável de frio, chuva e vento e até sei como fiz, coisa rara mas que aconteceu. Hoje.

Ingredientes:

6 ovos
250g de açúcar
1 dl de azeite
2 cenouras (175g)
Raspa de duas laranjas
1 pitada de sal
200g de farinha 55
1 colher de sobremesa de fermento químico
Manteiga para untar a forma

Preparação:

Bata as gemas com o açúcar até ficar branco e fofo. Junte o azeite, as cenouras raladas, a raspa e o sal.
Mexa.
Adicione então a farinha e o fermento, bata bem e envolva ao de leve nas claras batidas em castelo firme.
Leve a forno quente (200ºC) durante cerca de 8-10m e depois para 170ºC durante mais 25-30 minutos, ou até estar cozido. Graças à cenoura crua, fica sempre húmido e fresco.

Risoto de Atum Fresco

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                  Os risotos, que é como quem diz os arrozes malandrinhos dos italianos, são pratos muito simples, apesar do que se vai ouvindo a partir de certos “mestres” profissionais, sempre interessados em valorizar o que fazem, para tudo inventando mistérios, segredos e complicações.
Com os risotos (e com qualquer outro arroz), há que seguir a técnica, ter os cuidados que qualquer arroz exige em termos de ponto de cozedura e cremosidade final e ter-se-á um prato de agrado geral e a que poderemos sem medo de heresia, chamar um risotto!
Dito isto, passemos então a esta 116ª Trilogia, em que a Ana nos mandou, a mim e ao Amândio, fazer um risotto e em que eu decidi ir pelos caminhos do mar e da sua carne mais preciosa, o atum fresco.

Ingredientes:

Caldo –
Cabeça(s) e postas de peixe
Rama verde de alho porro
Cenoura
Sal e pimenta em grão
Camarões

Risoto –
Azeite
Cebola
Alho
Louro
Tomate triturado
Arroz de bago curto (ou especial para risoto)
Vinho branco
Caldo de peixe
Peixe cozido
Camarões cozidos
Lombo fresco de atum

Preparação:

Parta o atum em cubos pequenos e tempere-o com sal grosso.
Faça um caldo de peixe com os ingredientes indicados, 
retire do peixe espinhas e peles e reserve, tal como as cenouras, camarões  e o caldo depois de passado pelo chinês. Deste caldo, separe um copo que deve arrefecer e mantenha o resto quente.
Refogue em azeite a cebola e alho, picados, tomate triturado e troços de cenoura, da cozida para o caldo.
Introduza o arroz 
e deixe fritar até ficar translúcido. Usei arroz Redondoespanhol que, além de muito boa goma apresenta um bom comportamento no que se refere a resistência à cozedura, como os tradicionais arrozes de risoto, italianos (Roma, Carnaroli, Arborio, Vialone, etc.), embora se possa usar também o português carolino, se bem que requeira cuidados redobrados e um ponto de cozedura muito preciso.
Quando o arroz apresenta os bagos quase transparentes, junte então um copo de vinho e, mexendo sempre, deixe-o evaporar por completo.
Vá então adicionando conchas de caldo a ferver, 
uma de cada vez e mexendo continuamente, adicionando uma nova concha de caldo só quando a anterior estiver absorvida.
Depois de algum tempo, variável consoante a variedade que estiver a utilizar, o arroz estará cozido, isto é, já não apresenta “coração” mas o bago está fechado e firme. Chegou o momento para adicionar o peixe limpo com que fez o caldo, 
bem como os camarões, deixe levantar fervura, apague o lume* e junte os cubos de atum, previamente lavado do sal que pudesse ter ainda por fora. 
Envolva no arroz, tape e conte dois minutos.
 Adicione então o copo de caldo frio, que se destina a parar a absorção de líquido pelo arroz e sirva* de imediato.

Nota: * Nos risotos “americanizados”, o uso de queijos, quer na fase final da cozedura, fundido no arroz, quer polvilhado por cima já no prato, são obrigatórios, bem ao gosto norte-americano.
Pessoalmente, prefiro os risotos sem essa contaminação dos sabores originais do prato e sigo o procedimento popular italiano, em que o uso do queijo é facultativo.

Brandade de bacalhau

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                  Aquilo a que hoje mais vulgarmente se chama  brandade  ou se se quiser em português, brandada,  é um prato relativamente simples à base de bacalhau, batatas, azeite e natas muito aparentado com o nosso Bacalhau à Conde da Guarda, que se supõe criado por mestre Manuel Ferreira e depois seguido e afamado por mestre João Ribeiro, nas cozinhas do Aviz.
Sem querer com isto retirar nada à excelência deste “Conde da Guarda” ou às brandadas modernas, com batata, o certo é que o termo descreve uma outra preparação, difícil mas de sabor e textura celestiais, oriunda da região francesa de Nîmes e depois espalhada por outras regiões francesas, bascas e catalãs e que encontramos descrita por Escoffier*, em 1903 e, antes dele, por Gustave Garlin, em 1887**.
É esta brandade original, feita com muito de braço e infinitos cuidados, com base na receita de mestre Manuel Ferreira em 1933***, mas que recompensa largamente, no palato, o investimento na preparação, que vos deixo aqui hoje, fruto do passado fim de semana chuvoso e a convidar a delícias dentro de portas.

Ingredientes:

Bacalhau
Azeite
Leite (ou natas)
Sal e pimenta
Pão frito

Preparação:

Leve o bacalhau, que deve ter sido bem demolhado, em água fria ao lume e apague este antes que comece a ferver.
Retire espinhas e raspe a pele ao de leve de modo a que saia a camada exterior e escamosa, mas mantendo a parte interior, gelatinosa.
Desfaça o bacalhau em lascas pequenas para dentro de uma caçarola,
junte pimenta e uma ou duas colheres de sopa de azeite virgem, de muito boa qualidade e baixíssima acidez**** e vá mexendo sempre com colher de pau,
energicamente, de modo a ir desfazendo o bacalhau contra as paredes do recipiente. À medida que o trabalho de mexer continua, vá juntando colheres de azeite e de leite***** (ou natas) quando a emulsão se tornar espessa demais, ambos aquecidos e sempre apenas uma de cada vez, de modo a que se vão emulsionando com as fibras do bacalhau.
Ao fim de um bom bocado, quando já estão emulsionados com o bacalhau pelo menos o seu peso em azeite e leite, a massa resultante terá um aspecto liso e branco, lembrando puré de batata.
Terá agora que provar para ver se necessita adição de sal, o que é raro, e está pronta a brandade. Tradicionalmente, deverá ser montada em cone
e ir uns minutos ao forno com calor intenso por cima, para alourar e é servida com croûtons triangulares de pão frito
e, porque se trata de um prato muito gordo, com uma verdura com alguma acidez ou amargo, como estes talins
que usei e que ligaram perfeitamente esta soberba refeição.

Notas:
A brandadeé, provavelmente, a minha preparação de bacalhau preferida entre todas e não me canso de recomendá-la. Se usar todos os ingredientes aquecidos e se deixar a parte gelatinosa da pele (que "desaparece" na preparação), dará certamente algum trabalho de colher de pau mas sairá seguramente bem. Poderá ter uma pálida ideia do que é o sabor de uma brandade se conseguir imaginar algo que reúne sabores e texturas dos pastéis de bacalhau, do Bacalhau à Conde da Guarda, do Pil-Pil e do Bacalhau à Zé do Pipo. Difícil, não é? O melhor é mesmo experimentar!
* Escoffier, Gustave - Le Guide Culinaire (1903)
** Garlin, Gustave - Le cuisiner moderne, Garnier frères 1887, Paris .
*** Ferreira, Manuel – A Cozinha Ideal, Lisboa, 1933
 **** Se não dispuser de azeite de acidez 0,2 ou menos, é preferível usar um lote de azeite virgem 0,5 ou até 0,7 misturado em partes iguais com um bom óleo, por exemplo amendoim ou girassol.
***** Como a brandade é uma emulsão, quanto mais azeite adicionar, mais firme fica a brandade. O leite ou natas deve ser introduzido para corrigir essa excessiva firmeza. Apesar de, tradicionalmente, as receitas de brandade indicarem colheres alternadas de azeite e de leite, isso é claramente excessivo e, se o fizer, a sua brandade ficará demasiado líquida. Na prática, serão 3 colheres de azeite para 1 de leite ou nata líquida.

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