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Pimentade de Borrego em Arroz de Açafrão e Alcaparras

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             As pimentades são pratos em que a dominante é dada pelos pimentos e que vivem de contrastes fortes, simples e inequívocos. Esta não é excepção.
A luta aqui faz-se, a nível visual, entre as cores dos próprios capsicume a nível sápido, entre eles e a força aromática da carne de borrego, ficando a mediação desta luta a cargo de um arroz singular, também ele um baile entre o mistério suave do açafrão e o atrevimento ácido da alcaparra.

Ingredientes:

200g de carne de borrego, limpa
1 pimento verde
1 pimento vermelho
1 malagueta
½ cebola
1 dente de alho
1 c. sopa de azeite
1 c. sobremesa de farinha
Caldo da cozedura da carne
Sal e pimenta
100g de arroz carolino
1 c. sopa de óleo
Estames de açafrão
Pimenta da Jamaica
Cravinho
3 c.sopa de alcaparras em conserva

Preparação:

Parta a carne em pedaços muito pequenos e coza-a na panela de pressão durante 45 minutos, em água e sal. Reserve a carne e o caldo.
Pique a cebola e o alho, parta os pimentos em tirinhas,
junte a malagueta, sal e pimenta e refogue tudo em azeite até o pimento estar cozinhado a gosto.
Adicione então a carne cozida e a farinha,
envolva e junte caldo da cozedura suficiente para formar um creme de ligação entre os vários constituintes da pimentade.
Coloque os estames de açafrão num pedaço de papel de alumínio,
embrulhe e passe brevemente pelo fogo, de modo a tostar levemente o açafrão, sem queimar.
Aqueça no óleo o açafrão, a pimenta da Jamaica (Allspice) e os cravinhos,
junte caldo coado, deixe ferver e coza neste líquido o arroz, que deve ficar húmido e gomoso, mas não malandro. Junte-lhe as alcaparras e envolva.

Faça uma coroa com este arroz e sirva nela a pimentade.

Alface Recheada, com Paprika

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                Frisadas, lisas, roxas, verdes, iceberg, romanas, as alfaces são quase sempre encaradas como ingrediente para consumir cru, em guarnições e saladas. Há no entanto um mundo de possibilidades, em sopas e estufados, para cozinhar com alface, embora seja invulgar entre nós e é o que hoje farei, adaptando uma receita muito vulgar na Hungria, onde estive há pouco em férias, e em que a alface é recheada e estufada.
Ao contrário do que se afigura, a alface tem uma consistência bastante firme e manipulável, apesar da sua extrema finura, prestando-se assim a ser estrela nesta 140ª Trilogia em que a Anamandou que o tema fosse precisamente “alface” e que eu e o Amândio, cumpriremos.

Ingredientes:

2 hambúrgueres de vaca
1 copo de vinho branco
2 dentes de alho
½ pimento verde
½ pimento vermelho
50g de arroz carolino
Sal, pimenta e paprika
1 alface grande
1 c.sopa de azeite

Preparação:

Desfaça os hambúrgueres com o vinho branco, tempere com sal, pimenta e paprika e leve ao lume até que o vinho desapareça e a carne comece a fritar na sua própria gordura. Junte então os pimentos em cubos bem pequenos,
deixe cozinhar por cerca de dez minutos e adicione então o arroz cozido em água e sal.
Envolva bem e reserve.
Retire as folhas à alface, sem as partir, lave-as e escalde-as durante cerca de dois minutos,
ao fim dos quais a alface teve uma dramática redução de volume.
Escorra as folhas .
Estenda as folhas de alface, coloque no centro um pouco do recheio
e embrulhe em envelope.
Faça o mesmo, agora embrulhando o primeiro rolo numa segunda folha de alface e disponha num tabuleiro ou assadeira.
Passe um fio de azeite, polvilhe com paprika e leva a forno quente até ficarem louras.
 Sirva quentes, como entrada


 ou como quiser, que nesta altura de calor, fazem bem uma refeição leve.

“Boquerones” de Peixe Agulha

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            Boquerones são uma das minhas perdições estivais, sendo que os faço de biqueirão como manda a regra, quando os consigo arranjar, e com sardinha as mais das vezes.
Este ano a sardinha anda escassa e cara e os biqueirões que lhe costumam vir misturados, nem vê-los. Socorri-me então de um peixe que há muitos anos não provava, pois embora seja muito comum nas nossas águas costeiras, mercê de alguma superstição e ignorância, não tem valor comercial e é por isso rejeitado logo no mar ou na descarga e vai borda fora: o peixe-agulha.
O peixe-agulha é um peixe que não sendo pescado de propósito, vem frequentemente associado a outras capturas. De carne firme e muito saborosa, é comido normalmente frito, em troços, se bem que possa ser feito de muitas outras maneiras. O problema é mesmo encontrá-lo, fácil para quem tenha acesso a um porto de pesca (em Peniche, a doca fica cheia dele no chão, quando se descarrega a sardinha) mas muito difícil para quem já só vê o peixe no mercado. Mesmo assim, ele consegue por vezes furar a vigilância e lá aparece misturado para raiva do vendedor que trata logo de deitá-lo fora. A impopularidade do peixe-agulha deve-se a algo tão improvável como a cor da espinha; é que a espinha do peixe-agulha é azul esverdeada e isso criou-lhe uma fama popular de coisa tóxica e a rejeitar. Se falar com os peixeiros da sua praça, o mais provável é que, dos restos, lhe arranjem alguns peixes-agulha e dados.
A carne do peixe-agulha é muito firme como a do biqueirão e tanto pode usar a técnica sem salga intermédia, como lhe disse aqui, como a outra que se usa para a sardinha de que falei aqui. Sendo peixe de carne firme e densa o resultado final é idêntico.

Ingredientes:

Peixe-agulha
Sal
Vinagre de vinho (rebaixado a 3% ac. Acético)
Azeite virgem
Alhos
Cebola ou chalota
Pimentos verde e vermelho
Salsa
Pimenta preta moída no momento
Azeitonas, pão, etc.

Preparação:

Eviscere os peixes e retire-lhes os filetes,
usando para isso a técnica de escalar sardinhas para fritar, com a unha ao longo da espinha, ou cortando como para filetar um peixe maior. Em qualquer dos casos, mas mais importante se estiver a usar a faca, deverá evitar cortar as numerosas espinhas da longa barriga que, se puxadas pela espinha, saem facilmente agarradas a esta.
Ponha os filetes em água gelada por uma hora para que percam vestígios de sangue
e depois, se quiser usar o sistema de salga intermédia, envolva-os em sal grosso
durante cerca de uma hora, lave bem em água corrente e cubra-os então com vinagre rebaixado,
que se obtém diluindo vinagre de vinho a 6% em idêntico volume de água. Se não  quiser usar esta salga intermédia, passe directamente da água gelada para o banho de vinagre mas este deverá levar sal.
Ao fim de duas a quatro horas, os seus filetes deverão ter deixado de ter a sua cor rosada de peixe cru e tomado uma cor branca nacarada, sinal que o cozimento acético está terminado.

Escorra bem, corte a cebola, alhos e pimentos por cima, salpique com a pimenta e salsa picada e finalize cobrindo de bom azeite.
Espere umas horas antes de servir, com pão, azeitonas, vinho a seu gosto ou até cerveja. É um petisco inolvidável para o tempo de Verão.

Arroz de Fumeiro

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                  O fumo foi durante muitos séculos um poderoso aliado na conservação de alimentos e entrou assim como parte essencial da dieta e da própria sobrevivência dos nossos ancestrais.
Hoje libertos dessa necessidade vital, o fumo manteve a sua presença na nossa alimentação e imaginário, agora revestido de um novo papel de iguaria, emprestando às carnes, peixes, alguns vegetais e até a certos chás o seu encanto único.
Para esta 141ª Trilogia com a Anae o Amândio, em que o tema é precisamente ''fumeiro'', resolvi esquecer este ou aquele fumado em particular e eleger o próprio sabor do fumo como rei deste arroz que dispensou tudo o que normalmente constrói os seus sabores. Tudo menos o fumo, claro.

Ingredientes:

Ossos de presunto
Entrecosto fumado
Chouriço caseiro
Sal e pimenta
Arroz carolino

Preparação:

Ponha o entrecosto de molho por doze horas, de modo a reverdecer parcialmente a carne. Cubra com água temperada de sal pimenta os ossos de presunto,  o entrecosto e o chouriço
e deixe cozer por duas horas.
Retire as carnes, rape a carne que os ossos de presunto sempre têm agarrada e coe o caldo. Faça um arroz com este caldo e com a gordura que os fumados deitaram ao cozer. Passe o arroz, ainda mal cozido, para um tabuleiro, misture as aparas de presunto, alise e ponha-lhe as carnes e o chouriço por cima.
Leve ao forno até alourarem as carnes e o arroz.
 Sirva logo.



Cozinha Tradicional Portuguesa e Outras Conversas a Propósito

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               É um facto que, por vezes, mostro por aqui e executo na minha cozinha aqueles que é costume chamarem-se pratos tradicionais ou da Cozinha Tradicional Portuguesa (CTP), o que tem levado alguns dos meus leitores  a concluir pela minha predilecção em relação a estes pratos, o que é afinal puro engano, sendo acidental o meu gosto por eles e não me movendo nenhum interesse especial pelas comidas antepassadas excepto quando, aplicando a boa e velha análise pragmática, elas correspondem à melhor variante que encontro para satisfazer aquilo que realmente me importa: os meus gosto e prazer, hoje, que a comida é para ser comida e satisfazer aqui e agora. Os meus pratos que incidentalmente coincidem muitas vezes com os preceitos da chamada CTP, destinam-se, não a satisfazer um qualquer anseio de revivalismo histórico ou regionalista mas sim a satisfazer o meu apetite, como ele é hoje.
Claro que não estou com isto a dizer que enjeito a História ou que não acho interessante o registo etnográfico de hábitos e gestos culinários de antanho, mas do mesmo modo que, apreciando os aviões dos anos heróicos da aviação, não me ocorreria por um momento ir ao Brasil no avião de Gago Coutinho, que no entanto aprecio, respeito e até gosto de visitar no Museu de Marinha, aqui ao pé de minha casa. Penso que a tradição, longe de ser o refazer automático e canónico do que outros tempos comeram, é antes algo de vivo e dinâmico e deve ser procurado não no que se fez mas sim no que se faz, naturalmente com anos de inovação, experiência e criatividade que todos os dias acontecem nas nossas cozinhas quando imitamos e também criamos e adaptamos sobre os pratos das nossas mães, construindo assim a tradição viva. Se herdamos a casa dos nossos avós, não herdamos aquela casa nova que eles edificaram há um século mas sim a casa com um século de uso, transformações, adaptações às vidas de quem nela viveu e não deixa por isso de ser na mesma a casa dos avós.
Hoje vive-se, a par de outras,  uma espécie de crise identitária, um qualquer complexo de culpa ou de vergonha pelo próprio gosto que provoca, por um lado, a desenfreada procura de sabores e combinações bizarras, num vórtice que tudo sacrifica, até o gosto, no anseio pela surpresa e novidade; por outro lado, uma espécie de culto imobilista e museográfico em que por uma razão qualquer estranha e pela primeira vez na História, se elegem comidas de outros tempos como cânone da boa comida.
Como cogumelos, nascem confrarias de tudo e mais alguma coisa, grupos de cidadãos animados de intuitos louváveis mas que, saudosistas dos tempos da sua juventude, mais não fazem que cristalizar este ou aquele prato e que rapidamente se erigem numa espécie de Inquisição gastronómica, queimando em auto-de-fé tudo o que se desvie da comidinha que não seja igual à que se fazia há 30, 50 ou 100 anos.
Para mim, que acho que a melhor preservação dos tesouros gastronómicos vem da sua qualidade e não de mecanismos proteccionistas, tradição é algo bem diferente e se vivo hoje num mundo globalizado, a minha tradição é hoje bem mais vasta que aquela de que dispunha quem tinha como horizontes o seu quintal. Ainda bem, já que das misturas e miscigenações sempre resultaram cozinhas inovadoras e sabores poderosos, veja-se o que é hoje a magnífica cozinha brasileira, a misturar sem complexos as cozinhas portuguesa, africana, nativa brasileira, italiana, libanesa, síria, japonesa e mais um pouco de todo o mundo e a resultar em hinos maravilhosos de uma nova tradição que não esquece o velho feijão tropeiro e que põe farofa sem complexos sobre qualquer prato em que ache que farofa vai bem. Não é por se inventarem alheiras de diversos ingredientes que a alheira original vai desaparecer, muitos anos de presuntos industriais indigentes e de chouriços arrepiantes, não tocaram na qualidade do bísaro ou da linguiça de porco preto alentejana, como tudo o que se tem feito por aí não fez ninguém esquecer como é um bom pastel de nata ou de bacalhau.

Fazer Pevides

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              Puxavante de uma cerveja gelada, para ir entretendo o tempo a escoar-se sem pressas ou simplesmente para acompanhar os pensamentos ou a conversa, difícil será encontrar quem diga que não gosta de umas boas pevides. Baratas, democráticas e sempre disponíveis nos seus saquinhos de plástico ou numa medida rasoirada pela vendedora que faz no fim a generosidade de pôr mais umas por cima, à borla, as sementes salgadas das abóboras são para muitos um mistério quanto à sua preparação, saldando-se muitas vezes em fracasso as tentativas amadoras e ad-hoc para a transformação das pevides que por vezes surgem em nossa casa, de dentro de uma abóbora, pois claro, e que acabam insonsas, ou cruas, ou queimadas   mas raramente naqueles ponto exacto de que tanto gostamos.
Porque a época das abóboras está aí
e o processo é afinal fácil e expedito, aqui fica o detalhe, por sinal feitas com sementes de abóbora gila que há dias abri para fazer o doce e que, lá por serem pretas por fora e por isso pouco normais, são tão boas ao comer como todas as outras.

Ingredientes:

Pevides de abóbora
Sal

Preparação:

Retire as pevides à abóbora e ponha-as espalhadas ao sol durante um dia ou dois,
até estarem secas e se soltarem bem umas das outras.
Ferva as pevides secas durante vinte minutos numa solução saturada de sal,
isto é, que já não consegue dissolver mais sal. Escorra-as e ponha de novo ao sol, até que ficam secas e cobertas por pequenos cristais de sal.
Chegou o momento da torra, que é o único verdadeiramente delicado. Pode fazer-se no forno médio (160-170ºC) em tabuleiro, que se vai mexendo para ir virando as pevides, ou da forma rápida e tradicional (a minha preferida) que é numa frigideira ao lume,
mexendo as pevides em permanência. Dentro de poucos minutos, poucos, as pevides começam a estalar e é sinal que a torra está pronta. Retire do lume e deixe arrefecer por completo para que se revele o estaladiço.
Depois é o costume: descascar segundo a sua técnica pessoal,
com as unhas, por pressão entre os dedos, com os dentes, a boa pevide deve manter a película interna verde
pois ao passar a castanho fica amarga.


Sai um Bitoque!

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            No reino do faz-de-conta, quase tudo o que parece, não é!
Isto de não ser e parecer pode ser muito divertido e é até o fundamento de ilusionismos, carnavais e palhaçadas, se bem que haja outras palhaçadas que também não sendo e parecendo, acabam sendo coisas bem sérias e sisudas, mas adiante, que essas todos as conhecemos, até demais.
Se esta espécie de introdução destrava-línguas pode parecer disparatada e até talvez deslocada num local onde o costume é falar-se de comidas e que começou por prometer um bitoque lá no título, saiba-se agora, depois de criado o devido suspense, sempre necessário nestas coisas de fantasia, que “fazer de conta” é tema hoje para esta 142ª Trilogia em que eu, a Ana e o Amândio vamos andando pelos caminhos enganosos da vigarice e das inverdades.
Por aqui, prometido é devido e se prometido foi bitoque, bitoque sairá, nem que seja de faz-de-conta.

Ingredientes:

“Bife”:

100g de amêndoa ou avelã em farinha
100g de açúcar de pasteleiro (em pó)
1/2 clara de ovo
1 c.café de cacau

“Batatas”:

1 maçã
Açúcar

“Ovo estrelado”:

1 clara
2 c.sopa de açúcar
½ alperce
Coco ralado

“Molho”:

3 c.sopa da calda que fritou a maçã
2 c.sopa de leite
1 c. café de amido
Cacau q.b.

Preparação:

Misture os ingredientes do massapão e dê-lhe a forma de um bife.
Bata a clara em castelo, adicione o açúcar e faça uma farófia fina, em água quase a ferver. Escorra.
Escalde meio alperce e tire-lhe a pele. 
Faça um ponto de espadana e frite nele a maçã partida em palitos. Se a maçã for muito clara, deite uns estames de açafrão na calda para que fiquem com cor de batatas fritas. 
Desfaça o amido no leite, junte a calda de açúcar e leve ao lume até que engrosse e tome a consistência de um molho de bife. Dê a cor que quiser com o cacau em pó.

Montagem:

Ponha o “bife” de massapão num prato de sobremesa.
Coloque sobre ele a “clara” de farófia
e a “gema” de alperce.
Disponha as “batatas” de maçã à volta do bife
e complete com umas pedrinhas de “sal” de coco ralado e molho.
Sai bitoque!


Cebola em Flor (Blooming Onion)

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              A cebola panada e frita com a forma de uma flor, conhecida como Blooming Onion, Onion Blossom, Onion Bloom ou Texas Rose é uma famosa entrada criada em 1988 na Florida, pela rede de fastfood Outback Steakhouse e rapidamente popularizada em todo o mundo. Além de ser uma verdadeira enormidade do ponto de vista nutricional, um “crime” dietético toda ela gorduras, calorias e colesterol, a “Blooming Onion” é também diabolicamente boa, servida com pecaminosos molhos onde se vão molhando as pétalas da inusitada “flor” antes de serem comidas.
Como o verdadeiro problema do original estadunidense é a quantidade de gordura que fixa ao fritar, resolvi recriar esta deliciosa flor, saltando esse passo fatídico e fazendo uma versão sem gordura, no forno.
O resultado, que recomendo, é o que passarei a mostrar:

Ingredientes:

1 cebola grande
Sal e pimenta
Farinha
1 ovo batido
Pão ralado
Molho a gosto

Preparação:

Descasque uma cebola grande, corte-lhe uma calote em cima a cerca de um terço da sua altura
e faça-lhe cortes que passem pelo centro
e até quase à base mas sem nunca a atingir.
Introduza a cebola assim cortada em água fria, no frigorífico, por algumas horas, no mínimo seis, após o que ela terá este aspecto.
Ponha-a a escorrer sobre papel absorvente,
retire as “pétalas” do centro deixando uma rodela livre, salpique com sal fino e pimenta moída no momento,
e fica pronta para panar, operação que apresenta alguma dificuldade.
Passe primeiro a cebola por farinha e sacuda o excesso.
Para a passagem por ovo, põe-se a questão de, para conseguir imergir a cebola em ovo batido, ser necessário usar muitos ovos para conseguir o volume preciso. Optei por isso por colocar um ovo batido num pulverizador e aspergir assim todos os recantos das pétalas
antes de derramar sobre elas o pão ralado.
Repita o ovo e o pão ralado e leve a forno quente
com calor por cima, até estar a flor tostada a gosto e estaladiça.
Sirva acompanhada por um molho a seu gosto e delicie-se sem problemas de consciência. 

Puré Vermelho

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                Conheci o Dr. Indiveri Colucci há muitos anos, eu quase menino e a dar os primeiros passos nos mistérios da botânica e ele já ancião (morreria em 1987, com 108 anos) e mestre incontestado nas artes da cura natural. No seu instituto de Paço d’Arcos, onde trabalhou diariamente até aos 103 anos, muitos foram os que, ali chegados com  doenças terríveis,  lhe ficaram a dever a vida, através de tratamentos naturais em que era muitas vezes rainha essa humilde raiz vermelha que conhecemos por beterraba.
A beterraba é um vegetal que tem, entre nós, uma popularidade mais decorativa que propriamente nutricional e é costume empregar-se em saladas, raspada crua ou, as mais das vezes, cozida e conservada numa salmoura avinagrada.
Para esta 143ª Trilogia, em que a Ana, o Amândio e eu próprio temos como mote a beterraba, decidi deixar de lado as suas utilizações tradicionais (costumo usá-la como aperitivo, temperada com azeite e alho)
e usar aquilo em que ela é mais exuberante , a cor, devida a um corante vermelho poderoso, a betacianina, pedindo-lhe de empréstimo para fazer um puré de batata exuberante e alegre, uma originalidade bem à medida do tempo de férias em que estamos.

Ingredientes:

4 batatas
1 beterraba cozida
1 noz de manteiga (ou 2 c.sopa de azeite)
2 c.sopa de nata
Sal, pimenta e alguma especiaria a gosto


Preparação:

Coza as batatas em água e sal, cortadas em cubos. Escorra e reserve.

Junte à batata a beterraba
e a manteiga e esmague-as em conjunto, durante o tempo que quiser,
seja para deixar um puré liso, se esmagar muito, ou com algumas texturas e irregularidades, se menos esmagado. Junte por fim a nata e alguma especiaria, como noz moscada, bata bem e apresente formado em quenelle,
como acompanhamento, aqui com costeletas de borrego grelhadas.

Estupeta de Atum

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           Estupeta é um daqueles nomes que designa não só o prato como o ingrediente.
Típica e quase um ex-librisgastronómico de Vila Real de Santo António e do Sotavento Algarvio, comem-se estupetas por todo o Algarve e agora também um pouco por todo o lado, dada a excelência do petisco.
A estupeta é atum cru das aparas de muxama conservado em salmoura forte e vende-se* hoje em baldes plásticos de diversos tamanhos.
Para as refeições leves, rápidas e frescas que agora apetecem ou simplesmente como petisco de qualquer altura, uma estupeta é, na sua desconcertante simplicidade, sempre uma festa para o paladar e um prato consensual no aplauso dos comensais.

Ingredientes:

Atum para estupeta
Cebola
Pimento
Tomate
Pimenta
Azeite e vinagre

Preparação:

Ponha o atum
em água por uns minutos, para amolecer e facilitar o trabalho. Vá abrindo as fibras do músculo sob água corrente. Costumo passar os bocados de atum com um rolo pesado
de modo a que abra e facilite a acção da água e vou depois desfiando em pequenos pedaços, sempre dentro de água até que, bem espremido fica uma miga como esta,
que vai para o fundo da tigela. Sobre o atum vai então cebola cortada fina, pimento
e tomate em cubos pequenos, pimenta e por fim, azeite abundante** e vinagre de vinho.
Bem mexida, está pronta a estupeta para ir estagiar
uma ou duas horas no frigorífico para ficar bem fresca antes de ser servida,
normalmente acompanhada por uma fatia de pão e vinho a gosto.

Notas: * Apesar de haver outros preparadores desta conserva, todos algarvios, o destaque terá que ir para as Conservas Dâmaso, de Vila Real de Santo António,
que, na prática, acabam por ser os únicos que têm dimensão a nível de distribuição nacional. A sua estupeta encontra-se à venda lá e nas casas especializadas em bacalhau. Em Lisboa existe na Rua do Arsenal.
** Tradicionalmente as estupetas são apresentadas “afogadas” em azeite, quase 1 dl por pessoa, onde se vai molhando o pão à medida que se come o petisco. Por motivos dietéticos, cortei drasticamente na quantidade de azeite, de que utilizei apenas o necessário para temperar e ficou deliciosa também. A “linha” agradece.



Bacalhau do Senhor Grandella

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                    Francisco de Almeida Grandela (1857-1935) nasceu em Aveiras de Cima e cedo veio trabalhar para Lisboa onde construiria
um império comercial e industrial cuja face mais conhecida seria os Armazéns Grandella, primeira grande superfície comercial em Portugal.
Além desta faceta profissional Grandela foi ainda um notável político republicano, benemérito, amante das artes e fundador do Clube dos Makavenkos, uma sociedade filantrópica, gastronómica e algo libertina cuja sede funcionava na cave do Teatro Condes, aos Restauradores, que também era seu. Dentro em breve teremos outra oportunidade de conversar sobre o legado gastronómico deste clube mas hoje o nome de Grandela aparece aqui como um verdadeiro mistério.
É que apesar de Grandela nos ter deixado um livro “Memórias e Receitas Culinárias dos Makavenkos”, este prato não é aí mencionado, aliás como em qualquer outro receituário conhecido, aparecendo a receita numa nota manuscrita por D. Leonor Mendonça, funcionária próxima de Francisco Grandela com o título “Bacalhau do Senhor Grandella”, assim, mais nada.
Alfredo Saramago recolheu esta nota e publicou-a no seu livro Cozinha de Lisboa e Seu Termo, mas o facto é que é uma receita que ninguém vivo viu ou provou e portanto o desafio perfeito para esta 144ª Trilogia em que eu, a Anae o Amândio andaremos às voltas do tema “pratos perdidos”.

Ingredientes:

Lombos de bacalhau, demolhados
Farinha
Água morna
Leite
Sumo de limão
Sal e pimenta moída
Ovos
Azeite
Cebola
Alhos
Acompanhamento a gosto

Preparação:

Tendo como orientação este texto de A. Saramago,
lancemo-nos então na aventura:
Usei para o polme exterior dois ovos, duas colheres de sopa cheias, de farinha, três colheres de sopa de leite e outras três de água morna
e bati tudo com sal e pimenta. Depois de bem liso e homogéneo juntei uma colher de sopa de sumo de limão. Foi esta a minha interpretação do texto; o leitor fará a sua, se quiser.
Deitada uma concha deste preparado numa frigideira, faz-se como que uma omoleta fina
 e, antes que esteja bem cozida põe-se no centro um lombo de bacalhau, demolhado e sem espinhas.
Dobra-se então a massa semi-frita sobre o bacalhau, fechando-o,
deixa-se alourar de um lado, depois do outro, devagar para que a posta tenha tempo e calor para cozinhar,
passa-se para o prato de serviço e coloca-se por cima cebola frita em azeite com alho e um pouco de polpa de tomate.
Servi acompanhado de um puré de batata e cenoura e algumas azeitonas das minhas oliveiras.
Nunca saberei se ficou igual ao prato perdido a que a Mendonça chamou “do senhor Grandella”, mas que ficou divino, isso ficou.
   

Bacalhau à Dona Zé

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               Quando se pensa em comida para festas, entendendo-se aqui festas, não como banquete ou refeição de cerimónia mas aquelas festas que se fazem nas casas, aniversários, comemoração deste ou daquele acontecimento ou simples juntar de amigos, é frequente que se acabe por escolher o inevitável e incontornável bacalhau. Versátil, do agrado geral e a permitir pratos dignos e que se comem bem em estilo volante, prato na mão e só com garfo, tem no entanto o inconveniente de se desembocar em pratos que sendo excelentes acabam por estar de tal modo vistos e repetidos que, se pensar bem nas probabilidades de haver em qualquer festa um tabuleiro de bacalhau com natas ou bacalhau espiritual, se chegará à conclusão que essas probabilidades são por certo bem altas.
O Bacalhau à Dona Zé, prato que, com a introdução de uma generosa parte verde, contorna de forma deliciosa esta vulgaridade em que os bacalhaus “escondidos” de tabuleiro se tornaram, será o meu contributo para o tema “comida de festa” desta 145ª Trilogia em que eu, a Ana e o Amândiofestejamos estas férias, o Verão e o que mais quisermos.

Ingredientes:

Bacalhau demolhado
Batatas
Cenouras
Cebola
Alhos
Azeite
Sal e pimenta
Natas frescas
Queijo ralado
Espinafres
Pão ralado

Preparação:

Coza batatas e cenouras e esmague-as. Reserve.
Escalde bacalhau (partes finas, badanas, cabeça e rabos) e limpe de peles e espinhas. Refogue cebola e alhos em azeite, sem deixar alourar e passe neste refogado o bacalhau, acertando sal e pimenta.
Misture o bacalhau com o puré juntando natas e queijo ralado,
ambos abundantes e envolva bem. Disponha uma camada deste preparado numa forma, tabuleiro ou assadeira, depois uma camada com cerca de um dedo de espessura de espinafres escaldados e cortados miúdo
e por fim acabe de encher com o resto do puré e bacalhau. Polvilhe com pão ralado,
sacuda ou sopre o excesso e leve a gratinar em forno quente por cerca de 15-20 minutos ou até estar bem alourado.


Faço por vezes uma variante quando o bacalhau se destina a refeição apenas para dois em que a apresentação é feita em ramequim individual
e em vez de espinafres, sempre consensuais e portanto ideais para festa, uso grelos cozidos,
cujo amargor vai especialmente bem com a suavidade das natas e  com o meu gosto.

Pão Sírio

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                O simples facto de comer ao ar livre, num qualquer pinhal ou praia, ou seja fazer um pic-nic, é já um prazer que me transporta a anos longínquos em que esses dia eram, por si, uma festa em que as comidas eram apenas parte da aventura.
Em piqueniques não sou de meias-medidas, de vergonhas ou de comidinhas plásticas envergonhadas ou sandochinha de panrico em celofane compradas na área de serviço mais uma latinha de bebida. Eu gosto mesmo é dos velhos piqueniques de mesa posta, o frango assado, as petingas ou jaquinzinhos fritos para comer dentro do pão, bem como a patanisca ou o pastel de bacalhau e o bom do tinto, pois claro, tudo isto para horror  e desdém trocista do citadino moderno, urbano ou suburbano em excursão intelectual pela Natureza, de cocacola, bolicao e pálapála e a acharem que num restaurante se está muito melhor. Bom, coma cada um do que gosta!
Um piquenique começa na sua preparação, meio gozo, ou antegozo do momento e gosto de preparar tudo, desde o pão que, feito por nós tem logo outro sabor. O pão sírio, também chamado “pão pita”, com a sua forma de envelope é um pão ideal para rechear do que se quiser e, refeição dentro dele, ser peça de base para um piquenique. Claro que se pode comprar feito, como tudo o resto, mas sendo de feitura tão fácil e ficando tão bom feito por nós, nem o piquenique saberia ao mesmo se o pão tivesse vindo de um supermercado. Sendo “piquenique” o tema para esta 146ª Trilogia, com a Ana, o Amândio e eu próprio continuamos este mês de Agosto e de férias, aqui fica o registo do meu Pão Sírio.

Ingredientes:

¾ de farinha de trigo 650
¼ de farinha de trigo integral (ou farinha de sarraceno)
Água
Sal
Fermento fresco de padeiro

Preparação:

O pão sírio é pão de trigo e há tantas receitas como os milhões de pessoas que o preparam diariamente a seu gosto e preceito, da Turquia a Marrocos, toda a volta do mediterrâneo. Em Marrocos usa-se uma mistura de farinha e semolina de trigo, já na Turquia se adiciona muitas vezes a farinha de sarraceno e no Médio Oriente é só farinha. Optei por lhe misturar um pouco de integral para lhe dar sabor e consistência mas fará com o que lhe aprouver ou tiver em casa; o pão sírio é, essencialmente, pão e como tal é feito.
Dissolva meia barrinha de fermento num pouco de água morna com sal e misture com cerca de 900g das farinhas já misturadas. Amasse e junte mais água de modo a ficar uma massa consistente mas a pegar e deixe em repouso por 20m para abrir a farinha.
Passado esse tempo, polvilhe a massa, a bancada e as mãos com farinha e amasse bem. Verá que a massa deixou de pegar e está elástica.
Enfarinhe-a e deixe em repouso e ao abrigo de correntes de ar por cerca de uma hora ou até ela dobrar de volume.
Amasse de novo, agora brevemente, divida em porções com o volume de uma tangerina, estenda com o rolo em rodelas,
cubra e deixe a crescer de novo cerca de 30-40minutos.
Não faça qualquer furo ou vinco nas rodelas de massa e coza-as pelo processo tradicional, ou seja numa frigideira seca ao lume,
primeiro um lado, depois o outro, ou no forno, num tabuleiro. Ambos são bons apesar de diferentes mas o aspecto essencial é o pão ter enfolado, separando os folhetos.
Cortando num dos bordos ele abrirá como um envelope pronto a rechear.
O recheio? Bom, o limite é a sua imaginação. Dentro deste “saco” de pão cabe tudo o que lhe apetecer; em suma, cabe um piquenique!
No meu caso, um pouco na linha dos famosos “beirut” brasileiros, recheei com bela carne de vitela da maminha, alface, um ovo estrelado e mostarda
e ficou de chorar por mais, não só porque estava delicioso, como também porque piqueniques são o diabo para abrir o apetite.


Carne guisada com macarrão

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                   Há comidas que, tendo passado há muito de moda, mantêm lugares intocados nos nossos imaginários, porque arrastam consigo a evocação de épocas ou situações distantes mas gratas. Massa guisada com carne é um desses pratos que, apesar de hoje relegado para a prateleira dos esquecidos, mantém para mim esse encanto dos pratos da juventude.
Antes de termos adquirido o hábito italiano de cozer as massas em água e acrescentar-lhes depois os mais diversos molhos e condutos, o costume em Portugal era guisar a massa, ou seja, cozê-la desde o início com todos os ingredientes, guardando destes, sabores e aromas. Isto passava-se nas mesas das cozinhas familiares, nas de restaurantes populares e casas de pasto e, claro, eram estas massas presença assídua nas cantinas, quer escolares, quer de empresas.
Sendo “cantinas” o tema desta 147ª Trilogia, tema que certamente despertará na Ana e no Amândio a evocação dessa comida dos tempos académicos, onde havia dias bons e outros nem tanto, e eram frequentes as massas guisadas, com frango, com chouriços e farinheiras ou com carne de vaca ou porco assim em pedacinhos como eu hoje fiz.

Ingredientes:

Carne limpa de porco
Sal, pimenta, alhos, louro
Vinho branco
Azeite
Cebola
Polpa de tomate
Macarronete

Preparação:

Parta a carne em pedaços e faça com ela e os temperos do costume uma vinha de alhos e deixe durante algumas horas.
Refogue a cebola no azeite e nela os pedaços de carne até alourarem.
Junte então a polpa de tomate e água e deixe a carne a cozinhar até estar tenra.
Rectifique sal, junte a massa e deixe cozer até estar apurado.

Batatas com Ovos e Alheira* de Bacalhau

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                  Este título aparentemente inusitado e invertido aparece hoje como registo dessa forma peculiar que os alentejanos têm de descrever as suas refeições.
Lembra-me os anos já distantes em que eu, ainda pouco habituado às subtilezas deste falar cantado, perguntava aos meus alunos, em Évora, o que tinham almoçado e ouvia sempre, atónito, desfiar um rol de acompanhamentos, até lá aparecer, com sorte, o que eu achava na minha lógica alfacinha que deveria ser  a parte “principal”, a carne ou peixe da refeição. O bacalhau com batatas e couves era “batatas e couves com bacalhau”, uns carapaus fritos com arroz de tomate e salada era “arroz de tomate com alface e carapaus fritos”, etc. Lá me habituei.
Ao que nunca me habituei foi às usurpações dos nomes e dos seus significados, isto a propósito das “alheiras” de bacalhau, mas disso, se quiserem, conversaremos lá mais abaixo, depois desta belíssima refeição.

Ingredientes:

2 batatas grandes, novas
1 alheira* de bacalhau, grande (ou 2 mais pequenas)
2 ovos
Sal grosso, sal fino e pimenta preta
Azeite
Salada a gosto ou grelos cozidos

Preparação:

Corte uma tampa a cada batata 
e leve-as a assar no micro-ondas, o que é muito rápido. Escave então cada batata de modo a ficar com uma espessura de cerca de um centímetro toda em volta, 
salpique com um pouco de sal fino e pimenta e distribua pelas batatas, calcando, dois terços da quantidade de alheira* de bacalhau, sem a pele. 
Passe um fio de azeite e reserve.
Esmague a polpa de batata que escavou com o último terço de alheira, 
faça umas quenelles com este puré e disponha à volta das batatas recheados de alheira. 
Encha o resto da cavidade com a clara de um ovo e leve a forno quente até a clara estar coagulada e as quenellesde puré alouradas.
Escave então uma cavidade na clara coalhada e deposite nessa cavidade a gema do ovo. 
Leve mais uns minutos ao forno, apenas o suficiente para aquecer a gema sem a cozer 
e sirva com sal grosso e pimenta acabada de moer sobre o ovo.
 Acompanhe com verde a seu gosto.


Nota: * Não gosto de usurpações e plágios em geral, sendo que me irritam sobremodo aquelas situações em que, em vez de um autor, as vítimas são as palavras e os seus significados. Vem isto a propósito da apropriação do termo “alheira” para designar este delicioso enchido de bacalhau, feito como uma alheira mas que de alheira não tem nada. Claro que não chego ao ponto de, como alguns puristas mais exacerbados, execrar o delicioso enchido pelo facto de não ter nome apropriado para ele e até, se quisermos ser puristas a sério, alheira “museológica”, das tais cristãs-novas sem vestígio de porco e das suas gorduras e tripa, até nem a mais certificada e DOP será alheira, deixando eu aos puristas a tarefa de decidirem entre eles até que ponto pode evoluir um enchido feito com alhos e pão e ser ainda chamado alheira. Não gosto mas sou pragmático: podia investir  raivoso contra os moinhos de vento, inventar um nome diferente para a alheira de bacalhau chamando-lhe “bacalheira” ou “alheilhau” o que seria apenas mais uma parvoíce que, em última análise, serviria para que ninguém soubesse de que estava eu a falar ou escrever. A contra-gosto, utilizo pois o que o uso vai tornando a denominação corrente, as alheiras pela sua base de fabricação, os “carpaccios” pela qualidade do corte e não por ser cortado a partir de bife cru de vitela, os “Brás”disto e daquilo, mesmo com batatas de pacote e sem bacalhau, os “peixinhos da horta” só por levarem feijão verde, os “caldos verdes” que até são um puré com coentros, os peros que agora são todos maçãs, os ananases do mundo a que se dá um bacoco nome brasileiro como se só nos Açores houvesse ananases…  

Ceviche de Carapau (do gato)

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            Os ceviches são pratos admiráveis que, oriundos de toda a costa americana, desde o Sul como os famosos ceviches chilenos e peruanos, até à América central e até do Norte, com excelentes exemplos na cozinha tradicional mexicana, aproveitam o esplendor daquilo que é o essencial de qualquer ceviche: a frescura irrepreensível do peixe em geral e do atum em particular.
Hoje globalizados, como tudo o resto afinal, podemos provar estes deliciosos pratos em qualquer lugar em que exista essa inestimável benesse que é o peixe acabado de pescar.
Para fazer um ceviche qualquer peixe serve embora eu tenha uma especial predilecção pelos ceviches de peixes pequenos. Sendo hoje tema para esta 148ª Trilogia o "peixe do gato", a mando do Amândio que, na altura, devia estar a olhar ou a pensar no seu  Baltazar e que, assim nos pôs, a mim e à Ana, às voltas de peixe de gato, pegando eu naquele que é o seu paradigma, o belo do carapau de que algum até se chama "carapau de gato" e também no ceviche que aqui foi de carapau e que bem bom ficou para quem o provou e até para a gata Mia, que lhe ficou com as espinhas.

Ingredientes:

Carapaus
Sal e pimenta
Limão
Alhos
Pimento verde e vermelho
Azeite
Batatas

Preparação:


Com o auxílio de uma faca muito afiada retire a serrilha espinhosa cortando no sentido da cauda para a cabeça.
Retire então os filetes do carapau, cortando ao longo da espinha e da barbatana dorsal,
ponha-os durante uma hora em água gelada para perderem algum sangue que possam ainda ter.
Salgue os filetes com sal grosso integral, dos dois lados,
durante duas horas e com um peso a pressioná-los. Lave-os bem durante alguns minutos, seque-os e disponha-os num recipiente de serviço onde caibam sem sobreposições. Cubra-os de sumo de limão ou de lima
e deixe no frigorífico durante cerca de três horas ou até que a carne se apresente uniformemente branca, sinal de que já está cozinhada pelo ácido cítrico.
Escorra bem, espalhe por cima os pimentos e alhos, ambos picados,
regue com um bom azeite
e deixe por umas horas antes de servir com alguma batata cozida e salada a gosto.

Bacalhau a 200

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                Quando alguém decide, seja por imperativo de saúde, bem-estar ou simplesmente estético, perder os quilos que acumulou acima do seu peso saudável e já passou a fase em que se acredita em produtos, programas e dietas milagrosos,  tem à sua disposição uma infinidade de pratos concebidos para a restrição calórica necessária a qualquer perda de peso e, ao mesmo tempo, proporcionar a satisfação de uma refeição normal. Estas são refeições que fornecem entre 400 e 500 Kcal e que se integram num regime suave de 1500 kcal/dia.
O problema complica-se quando  os quilos a mais são na verdade muitos mais e para se ter êxito tem de se ser realmente restritivo, sob pena de passar o resto da vida em regime. Nos regimes drásticos e rápidos, em vez das 1500Kcal a fasquia passa para as 1000Kcal e aí começa o terror dos grelhados com salada mal temperada e outras sensaborias que tornam as mais das vezes estes regimes um fracasso a médio prazo.
A braços com uma batalha pessoal que não é contra alguns quilos mas contra algumas dezenas de quilos (já “foram embora” mais de 40 e ainda faltam 20!), tive de me socorrer da criatividade e de rigor para ultrapassar este fado e, tabelas de calorias e de nutrientes em punho, tenho composto belíssimos pratos/refeição sem ultrapassar as 350Kcal, ou seja sempre abaixo das 1000Kcal/dia.
Este bacalhau a 200, ou seja, uma refeição de bacalhau no forno que fica por 200Kcal e deixa uma bela sensação de prazer e saciedade é disso exemplo.

Ingredientes (4 doses):

250g de bacalhau demolhado (200 Kcal)
10g de azeite (90 Kcal)
500g de couve coração (100 Kcal)
200g de cogumelos frescos ( 30 Kcal)
1 cebola grande, 200g; (40 Kcal)
2 ovos, 130g, (130 Kcal)
20g de farinha ( 70 Kcal)
10g de pão ralado ( 30 Kcal)
50g de azeitonas ( 85 Kcal)
200g de alface ( 25 Kcal)
Sal, pimenta e louro

Total: 4 x 200 Kcal = 800 Kcal

Preparação:

Escalde em água a ferver com sal, durante 2-3 minutos, a couve em juliana fina e os cogumelos em quartos ou oitavos consoante o seu tamanho. Escorra bem e reserve.
Escalde brevemente e em pouca água o bacalhau, que para o efeito pode ser das partes menos nobres ou até bacalhau desfeito, ditas migas de bacalhau. Retire pele e espinhas, pese apenas bacalhau limpo e desfaça-o num pano de modo a separar bem as fibras e soltar-lhe assim sabor e texturas.
Pique finamente a cebola e refogue-a em 5 c.c. de azeite (c. sobremesa), com louro, sal e pimenta até estar transparente e cozinhada. Junte esta cebola e o bacalhau desfeito à couve e cogumelos,
mexa bem, rectifique temperos, junte os ovos batidos, a farinha
e um pouco do líquido em que escaldou o bacalhau, mexa de novo bem e leve a forno quente durante cerca de 20-30 minutos depois de polvilhar com o pão ralado.

Sirva com azeitonas e salada de alface temperada com sal, vinagre e o restante azeite.

Cabidela de Miúdos de Galinha

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                Se na esmagadora maioria dos seres vivos comestíveis, a juventude é sinal de qualidade, de tal modo que se gerou a curiosa expressão “tenra idade”, alusão por certo à tenrura das carnes jovens, noutros raros, só a idade adulta confere a nobreza completa e o exemplo acabado do que acabei de afirmar está na galinha, galináceo que só depois de perder o viço e tenrura de frangaínha e depois de franga, atinge os píncaros da excelência.
A galinha alcança esses píncaros de glória culinária entre os dezoito meses e os dois anos, sensivelmente quando se encaminha para o fim da primeira postura, a carne já definitivamente firme e a começar a revelar o sabor que só o excesso de gordura lhe pode dar e que, a exemplo do pato, o cozinheiro experiente sabe ser a melhor gordura para qualquer prato em que entre a carne de galinha.
Para esta 149ª Trilogia quis a Anaque eu e o Amândio andássemos atrás do belo galináceo, o que para mim até nem foi sacrifício nenhum e como queria apresentar uma cabidela a sério, foi até pretexto para uma ida à feira mensal de Vendas Novas a fim de obter um exemplar a preceito que acabou os seus dias numa tachada que não vem agora ao caso, já que vai aqui hoje interessar o destino das esquecidas vísceras, matéria prima para esta cabidela de miúdos de galinha, prato imerecidamente esquecido como quase todos os que usam as vísceras, tal como as cabidelas hoje quase sempre reduzidas a uns arrozes, de tal forma que, para muitos, cabidela passou a ser sinónimo de prato de arroz.

Ingredientes:

Miúdos de galinha
Vinha de alhos (sal, pimenta, alhos, louro e vinho branco)
Gordura de galinha
Cebola
Sangue fresco de galinha, envinagrado
Batata cozida

Preparação:

Os miúdos de uma galinha são constituídos pelo pescoço sem pele, moela, fígado, coração, rins, tripa (intestino delgado), que deve ser previamente aberta e esfregada com sal grosso e limão e as patas devidamente escaldadas e esfoladas, se gostar.
Ponha todos os miúdos em vinha de alhos de véspera
e, no dia, coza previamente as patas e moelas durante 30 a 40 minutos, para atenrar, já que na galinha adulta são muito mais duros que o resto dos miúdos.
Derreta um pouco de gordura da galinha e refogue nela a cebola, juntando então o resto dos miúdos.
Deixe fritar um pouco e adicione então o líquido da marinada. Tape e deixe a fervinhar em lume baixo durante cerca de meia hora.
A adição final do sangue é o momento decisivo de uma cabidela e pode ser a sua perdição pelo que sugiro que retire as carnes e faça esta operação à parte, só o sangue e o caldo em que cozinhou os miúdos, reintroduzindo as carnes depois da cabidela bem ligada. É que, enquanto nos arrozes de cabidela existem os bagos de arroz para dispersar o conjunto, já aqui o risco de cozimento do sangue em grumos é bem real.
Retire do lume e adicione de uma só vez o sangue. Volte ao lume sempre a mexer com as varas, sem qualquer interrupção do movimento até que o caldo se torne espesso e cremoso. Retire do lume, junte de novo os miúdos, envolva e sirva a cabidela acompanhada por batata cozida.

  

Salsichas Dietéticas ( e boas!)

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              As salsichas frescas, por melhor e mais “asseada” que seja a confecção, são sempre algo que balança entre o bem que nos sabe na boca e a sensação incómoda de estarmos a cometer um qualquer crime de lesa alimentação minimamente racional.
Constituídas por quantidades arrepiantes de gordura e água, pouca carne, corantes que lhes dão aqueles rosados dúbios, polifostatos, sal, especiarias e saborizantes, as salsichas de que dispomos nos talhos e supermercados são bem o exemplo da comida que deve andar longe, bem longe da nossa mesa.
E no entanto, que bem que sabem!
A atravessar uma fase de extremo rigor dietético e não só pela linha, salsichas seriam naturalmente colocadas no grupo dos “absolutamente proibidos”, mas como por aqui as dificuldades não são mais que estímulos à descoberta, se não há salsichas decentes à venda, pois façamo-las. E fez-se!

Ingredientes:

1 frango médio
150g de presunto magro*
Sal e pimenta
Paprika doce (ou defumada**, se tiver)
Massa de pimentão
Salsa fresca ou seca
Alho esmagado ou em pó
1dl de vinho branco
2dl de água gelada

Preparação:

Desosse o frango*** e retire todas as peles e gorduras. Passe pelo moinho de carne
e reserve. Retire a gordura e o courato ao presunto, corte em pedaços a parte magra e pique no moinho de carne. Misture bem as duas carnes com os temperos e o vinho.
Tenha em atenção a quantidade de sal que o presunto vai ceder à mistura final, de modo a evitar uma surpresa final desagradável e irreparável. Junte por fim a água gelada, volte a misturar
e deixe a descansar por umas horas no frigorífico.
A tripa que se usa para encher salsichas é difícil de encontrar e só se vende em embalagens com centenas de metros, em salmoura e caríssima pela quantidade enorme de cada embalagem. É constituída por tripa de cordeiro finíssima e tem este aspecto de cordel,
pouco mais grossa que uma linha, que deve ser enfiada previamente num bico de modo a que a salsicha se vá formando à medida que esse bico for empurrando a massa para dentro da pele. Para a obtenção desta tripa de cordeiro ficará um pouco à mercê da boa-vontade do seu talho. Pode-se usar um funil  e ir empurrando mais ou menos penosamente a carne para dentro da tripa ou pode-se usar um qualquer dispositivo para conseguir este efeito; algumas máquinas de picar carne trazem esse bico como acessório mas raramente o bico fino destinado a salsichas. Usei uma pistola de pastelaria à qual substituí o bico do chantilly por um bico cortado de um funil
e que depois de carregado com a tripa,
funcionou na perfeição,
tendo este frango produzido catorze salsichas, que fui atando à medida que se formavam.
Grelhadas e picadas com um alfinete durante o grelhado,
foram um jantar delicioso e sem pecado, na verdade salsichas a fornecerem umas inacreditáveis 75Kcal por cada 100g (peso em cru).


Notas:
* Se optar por prescindir (ou não necessitar) das preocupações dietéticas, poderá usar também o toucinho do presunto ou até bacon.

** Se usar paprika defumada, poderá reduzir ou mesmo evitar por completo o uso do presunto, mais gordo que a carne de frango, tendo assim umas salsichas ainda menos calóricas que estas. 
*** Claro que poderá usar qualquer outra carne, desde que magra, vaca, peru ou mesmo porco das peças mais magras como a alcatra. Poderá também variar o tempero, desde o simples sal e pimenta preta, à mistura tradicional de salsicha fresca que é sal, pimenta e um pouco de cravinho, também a noz moscada vai bem. Se usar o cravinho não use paprika, o vinho é facultativo e pode carregar em picante se gosta, etc. Fundamental é usar cerca de metade do peso da carne picada em água gelada (ou gelo moído).

Licor de Leite

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               Apesar de não ser dado a questões de genealogia, confesso que gostaria de saber como chegaram à tradição culinária da minha família, duas receitas cuja origem açoriana é evidente, apesar de não se conhecer qualquer contacto de familiar meu com as ilhas atlânticas, pelo menos até onde vai a memória da história familiar. Claro que hoje toda a informação flui e mistura-se, de modo que já mal imaginamos a que ponto seria improvável, há um século, que receitas açorianas pudessem entrar na tradição de uma família lisboeta.
Refiro-me ao uso da canela na carne de porco, desconhecido em Portugal continental e ao licor de leite, ambos da tradição açoriana e que eram de tal modo usuais na cozinha da minha infância que só muito tarde me apercebi do inusitado da situação.
Devendo nesta 150ª Trilogia, tanto a Ana como eu e o Amândio, obedecer ao tema Açores, escolhi por isso esse licor magnífico que os açorianos de todas as ilhas têm pronto para o Natal mas que eu tenho para todo o ano e que, como todos os licores fortes, melhora de ano para ano. No continente existe um licor de leite de cabra e aguardente de medronho na tradição do Baixo Alentejo que, com pequenas oscilações na técnica de preparação é muito perecido no resultado final.
Ao contrário de outros licores em que, variando as proporções da receita se pode optar entre usar álcool ou uma aguardente, no licor de leite tem mesmo de se usar álcool****, dado o grande volume de água que o leite transporta, sendo obrigatório o uso de álcool alimentar, nunca álcool sanitário que, apesar de custar um décimo do preço, é tóxico se ingerido. Como o álcool alimentar se vende, hoje, em Portugal ao incrível preço de €25,40 por litro, este é um licor que sai muito caro, pelo que fiz apenas metade da receita tradicional, como é indicada na Cozinha Tradicional Portuguesa* ou por Vasconcelos Costa no seu livro O Gosto de Bem Comer**.

Ingredientes:

0,5l de álcool alimentar a 90°***
0,5kg de açúcar
1/2 limão pequeno
1/4 vagem de baunilha
30g de chocolate
0,5l de leite do dia, pasteurizado

Preparação:

Raspe o chocolate com uma faca afiada de modo a ficar com aparas finas, mas não em pó. Retire o vidrado ao limão, rejeite a parte branca que por vezes amarga e corte os gomos em pedaços.
Num recipiente de boca larga, misture os cinco primeiros ingredientes, agite e introduza então o leite, devagar, de modo a que faça flocos grandes, ficando com este aspecto grumoso.
Deixe assim por algumas horas.
Após as primeiras horas de repouso, agite o frasco duas ou três vezes por dia de modo a que se dissolva o açúcar que fica depositado no fundo, o que acontece em três a quatro dias.
Continue com a agitação diária até perfazer cerca de duas semanas, altura em que o chocolate já se desfez parcialmente e o licor é agora uma massa acastanhada pouco atraente.
Chegou o momento mais trabalhoso deste licor tão simples: a filtragem.
Forre um (ou mais) funil com papel de filtro de malha apertada, ou com papel de cozinha que funciona na perfeição
e vá deitando esta massa espessa
de onde vai ser filtrado o delicioso e cristalino licor de leite.
O licor tem uma cor de âmbar claro e a filtragem dura por muitas horas, até dias, mas vale a pena a espera. O líquido filtrado deve ser perfeitamente cristalino
sem qualquer vestígio de material em suspensão, o que se consegue apenas com paciência. A clarificação que por vezes se faz noutros licores, aqui é virtualmente impossível dada a quantidade de massa sólida que contém.
Quando a filtragem chega ao fim, terá nos filtros uma pasta castanha
com o mau aspecto que a foto documenta
e que vou guardar, congelada, para fazer lá por alturas do Natal, um pudim tradicional que é feito com estes restos.

Notas: *Modesto, Maria de Lourdes – Cozinha Tradicional Portuguesa, Verbo, Lisboa 1982
**Costa, João Vasconcelos – A Arte de Bem Comer, Caminho, Lisboa 2005
*** É possível que, na farmácia, só encontre álcool alimentar a 96º. Embora haja cálculos exactos a fazer, de um modo prático pode baixar o grau alcoólico de 96º para 90º, juntando 0,6dl de água a um litro de álcool a 96º (ou 15ml, uma colher de sopa, num frasco de 250c.c.).
**** Poderá usar uma aguardente branca bem forte (com mais de 40º pelo que terá de ser de destilação particular) diminuindo ainda assim a quantidade de leite. O licor obtido com aguardente deverá ser consumido rapidamente, no máximo num ano, pois oxida-se e escurece com o guardar dada a pouca graduação em álcool.
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